Virolahti. Por José Horta Manzano
A cidadezinha finlandesa de Virolahti, de apenas 3.400 habitantes, tem história movimentada. Fundada nos anos 1300, já mudou de dono diversas vezes. Já pertenceu ao Reino da Suécia, ao Império Russo, à República Finlandesa, à União Soviética. Desde 1944, voltou a fazer parte do território finlandês.
Goza de uma particularidade geográfica: é fronteiriça com a Rússia. Só que isso é faca de dois gumes: por um lado, causa apreensão; por outro, é bastante interessante do ponto de vista econômico. Colada à fronteira entre a Finlândia e a Rússia, a cidadezinha tornou-se, nos últimos anos, o ponto de passagem mais movimentado entre os dois países. Em certos momentos do ano, gigantescos congestionamentos se formam do lado russo, em consequência da lentidão e do rigor da alfândega daquele país, que ainda não perdeu certos maus hábitos herdados da era soviética.
A relativa proximidade entre Virolahti e São Petersburgo, segunda maior cidade da Rússia, alimenta o tráfego estimado em 2 milhões de pessoas que cruzam a fronteira a cada ano. A metrópole russa está a menos de 200 km por estrada, distância que muitos cobrem num bate-volta no mesmo dia.
Há finlandeses que visitam a Rússia, sem dúvida, mas não são muitos. O grosso do movimento vem em sentido contrário: são russos que passam a fronteira com o único objetivo de comprar certos artigos impossíveis de encontrar em seu país. Há que lembrar que a Finlândia é membro da União Europeia, enquanto a Rússia ainda não se recuperou totalmente do atraso provocado por 70 anos de regime soviético.
De olho nesses “sacoleiros” árticos, a Finlândia construiu um importante centro de compras em Vaalimaa, um distrito de Virolahti situado apenas a 500 metros da fronteira. Para o russo que vem às compras, é ultra prático. Passada a fronteira, é só estacionar nos amplos espaços previstos, entrar na primeira loja e encher a sacola. Há também quem visite várias lojas. Todas, num dia só, é praticamente impossível. Para quem preferir pernoitar, hotéis e restaurantes não faltam.
Os finlandeses já conhecem a preferência dos russos, que vêm sempre atrás dos mesmos artigos: aqueles que não existem do outro lado da fronteira. Os clientes mais apressados já vão encontrar embalagens prontas, cada uma com uma seleção de artigos – alimentos, bebidas, souvenirs. Cada saco pesa exatos 25 kg, que é o máximo que a lei russa permite a cada cidadão trazer do exterior. É só escolher o que mais lhe agradar, pagar e pegar a estrada de volta.
A florescente área de comércio de Vaalimaa vinha se expandindo nos últimos anos. Havia até projetos de ampliação, com comércios maiores e mais modernos, a serem construídos por renomados escritórios de arquitetura vindos de longe (Alemanha, Áustria). Mas isso foi antes da pandemia. A partir de março 2020, da noite para o dia, a fronteira se fechou e não passou mais ninguém.
Dois anos mais tarde, logo agora que a covid arrefeceu e a luz começava a aparecer no fim do túnel, catapum! Lá vem Putin com sua guerra estúpida. Os russos estão proibidos de sair do país. De qualquer maneira, ainda que saíssem, seus cartões de crédito não valem mais nada, já que Visa, Mastercard e American Express suspenderam suas operações na Rússia. E o rublo perdeu metade de seu valor, pondo os preços finlandeses bem acima do orçamento do cidadão russo de classe média.
Mais uma vez, ao vilarejo sobram os olhos pra chorar. Quem sabe, dentro de alguns anos, dá pra trabalhar de novo. Se Putin não tiver a péssima ideia de invadir a Finlândia, país neutro. Deus nos acuda!
Observação
Estes dias, em que, na Rússia, os que têm condições de fugir estão fugindo do país, a rota mais movimentada é justamente a linha ferroviária São Petersburgo – Helsinque, com dois trens por dia. Saem lotados. Como conseguem driblar a proibição de sair do país, não me pergunte. Parece que, no país de Putin, quem tem dinheiro consegue tudo.
Só que os que fogem não vêm exatamente pra encher sacolas de compras. De todo modo, o trem passa por Virolahti a toda velocidade, sem parar perto de loja nenhuma.
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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos, dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.
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