As mágoas do Lula. Por José Horta Manzano
Muita gente, inclusive este escriba, considera que Bolsonaro tem uma visão distorcida do que sejam relações humanas. Confunde afinidades pessoais com relação entre nações. Acredita que o relacionamento do Brasil com países estrangeiros está irremediavelmente vinculado às relações pessoais que ele possa ter com os governantes desses países.
Enquanto Donald Trump era presidente dos EUA, chamava-o de amigo, nunca escondeu seu fascínio pelo personagem e mostrou claramente acreditar que as relações entre Brasil e EUA dependiam dessa “ligação carnal” entre supostos amigos. Enquanto o “amigo” esteve na Casa Branca, fez diversas visitas ao país de Tio Sam, pouco importando o pretexto para a viagem. Desde que Trump se foi, nunca mais quis saber de conversa. É verdade que não foi convidado, mas tampouco consta que tenha convidado Biden para tomar um café com pão e leite condensado no Planalto.
Foi à Rússia e disse que Putin e ele professam os mesmos valores(!). Foi à Hungria e chamou Orbán de irmão(!). Tem agido como se as relações exteriores do Brasil só funcionassem com nações comandadas por “amigos”. Essa visão redutora das relações internacionais pode servir para alimentar sua bolha de fanáticos, mas é nociva ao país.
Em artigo deste sábado, a jornalista Bela Megale conta algumas tristezas do Lula, antigo presidente do Brasil. Diz que o homem está ressentido com o comportamento de Dias Toffoli. Entre outras reclamações, está desagradado com a proximidade de Toffoli com Bolsonaro, fato que incomoda o demiurgo de Garanhuns. O Lula reclama ainda dos entraves postos por Toffoli no dia em que, ainda encarcerado, solicitou ser liberado por algumas horas para acompanhar o enterro de um irmão.
É bom lembrar que o atual ministro do STF foi advogado do PT e advogado-geral da União (AGU) durante o governo do Lula. Se hoje ocupa uma poltrona no STF, é por ter sido nomeado justamente pelo antigo presidente.
As mágoas do Lula são inquietantes. Ele demonstra estar sintonizado com Bolsonaro na mesma visão de um mundo dividido entre “os meus compadres” e os outros. Formam um par perfeito. Ao indicar Toffoli para o STF, o Lula tinha a certeza de ter “comprado” um juiz para defendê-lo fiel e incondicionalmente para o resto da vida. Essa esperança é idêntica à que Bolsonaro deposita nos pupilos alçados por ele ao STF: o “terrivelmente evangélico” e o “terrivelmente dócil”.
Ao dividir personagens políticos e magistrados entre “amigos” e “inimigos”, Lula dá mostra de agir exatamente como o capitão. A bem da verdade, ressalte-se não há que se espantar; essa faceta do ex-presidente já era conhecida. Nas diversas ocasiões em que foi a Havana louvar os bondosos irmãos Castro e à África incensar ditadores corruptos, Lula já tinha deixado evidente sua maneira de enxergar o mundo.
Entre os dois adeptos do compadrio desbragado – o Lula e o capitão –, está cada dia mais difícil separar o joio do trigo. Só se vê joio. Trigo mesmo, que é bom, anda em falta.
_________________________________________________
JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos, dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.
_________________________________________________________
Excelente texto e uma visão equilibrada, que está faltando na maioria dos comentaristas e jornalistas da imprensa brasileira.
Desde o primeiro mês do atual governo digo que Lula e Bolsonaro, não são idênticos, mas se equivalem: são faces de uma mesma moedinha falsa e sem-vergonha de três reais.