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Que tal ir ao essencial? Por José Horta Manzano

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Não sou lulista nem nunca fui. Não sou bolsonarista nem nunca serei. Não acredito que o Lula, eleito, venha a fazer bom governo, visto que nunca fez. Não acredito que Bolsonaro, reeleito, venha a fazer bom governo, visto que nunca fez.

Gosto de deixar as coisas bem claras logo de entrada. Nestes tempos estranhos, muitos enxergam um mundo em preto e branco: quem não é de um lado só pode ser do outro. E vice-versa. Comigo não funciona assim. Sou capaz de encontrar (se bem que é difícil) algum detalhe positivo nos longos governos lulopetistas. Seria também capaz de encontrar (se bem que é quase impossível) algum detalhe positivo no interminável mandato do capitão.

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Isso posto, vamos ao ponto. Estes dias, boa parte do Brasil pensante está indignada. Como fariseus, batem no peito e juram que jamais se comportariam assim. Refiro-me às viagens que um certo senhor Frias & assessores empreenderam aos EUA. Pelo que dizem, o indigitado senhor, encarregado de cuidar da cultura em nosso país(!), só não participou do segundo convescote por estar em licença-covid.

Seus auxiliares – um punhado deles – teriam dado os dois passeios, um a Nova York e o outro à Cidade dos Anjos, como costumam dizer os franceses (Los Angeles). Leio hoje, em artigo da Folha, que um subsecretário gastou cerca de 20 mil reais numa estada de 5 dias em LA.

Ao câmbio atual, a quantia corresponde a 3.900 dólares. Não é dinheiro de pinga, é verdade, mas convenhamos, não me parece nenhum despropósito. Sem dúvida, o homem podia ter passado uma semana comendo hambúrguer, mas parece que engorda. Podia também ter viajado de ônibus, mas ia demorar mais. Além disso, pra atravessar a América Central, ia ter de se vacinar contra a malária; como bom discípulo do capitão, talvez recusasse a picada.

Enquanto isso, o capitão bloqueou o Aerolula por uma semana pra ir dizer pessoalmente a Vladímir Putin que se solidariza com ele, numa daquelas gafes pesadas, que esgarçam nossa imagem no exterior. Ele nos pôs no nível da Nicarágua, da Venezuela, da China, da Bielo-Rússia, do Cazaquistão e da Quirguízia: todos se solidarizam com a Rússia. Estamos em boa companhia.

Acho interessante que, enquanto estão todos crucificando o sub do sub por ter assimilado rápido as regras da casa e agido como agiria o chefe do clã, ninguém está fazendo as contas de quanto o vexame internacional moscovita custou aos cofres do país. Viagem presidencial começa uma semana antes, com os “batedores” que abrem a picada. E dá-lhe avião da FAB, diárias de hotel, restaurantes e gastos anexos. A comitiva presidencial compõe-se de dezenas de convidados, uns úteis (ex: grandes importadores e exportadores), outros inúteis (ex: o filho do capitão, vereador do RJ).

Bolsonaro jura que a hospedagem em Moscou, em suítes com diária de 100.000 reais, foi mimo do governo russo. Pode até ser, mas fico de pé atrás. De qualquer maneira, não foi com o cartão corporativo de Putin que a multidão de acompanhantes pagou suas diárias. Nem a alimentação. Nem os extras. Nem as matriochkas que vieram na bagagem de volta.

Tenho dificuldade em entender por que razão os que têm voz se jogam em cima do peixinho e deixam escapar o tubarão. Será por medo? Falta de informação? Falta de vontade?

É bom ter em mente que, se o peixinho se permite desvios de comportamento é porque se sente coberto por seus superiores hierárquicos. Que, por sua vez, também se sentem acobertados. E assim por diante, até chegar ao chefão. Isso não é “Lei de Murphy”, é simplesmente a realidade.

Tem outra coisa. No caso da viagem do sub do sub a Los Angeles, seria mais útil deixar de lado, por um instante, o custo da viagem e se interessar pelo objetivo do passeio. O que é que o rapaz foi fazer lá? Com quem se encontrou? Que pito toca essa pessoa? Há relatório escrito? Que diz esse relatório? Foram concluídos negócios? Foi assinado um protocolo de acordo? Quais são as perspectivas de futuro? Qual é o interesse do país nesse gasto de tempo, energia e dinheiro nosso?

Esse é o tipo de questionamento que está a fazer muita falta. Estamos nos perdendo nos considerandos sem nunca chegar aos finalmentes.

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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos,  dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.

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