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Monark e Caloi. Por José Horta Manzano

…  Na minha adolescência, duas marcas de bicicleta disputavam o mercado brasileiro: a Monark e a Caloi.

Monark e Caloi

A Monark, mais prestigiosa, era de origem sueca. Nos primeiros anos, era importada. Pouco tempo depois, os veículos passaram a ser fabricados no Brasil. No ano de 1956, a matriz sueca contava com 2500 funcionários, enquanto a filial brasileira já dava emprego a 1000 pessoas, o que mostra a importância da marca no Brasil. Alguns anos mais tarde, a Monark brasileira gritou seu “Independência ou Morte” e passou a seguir caminho próprio. Hoje, as duas versões coexistem: tanto a Monark sueca quanto a brasileira continuam fabricando bicicletas.

Caloi era a outra marca de bicicleta. Seus primeiros anos foram semelhantes aos da concorrente. O imigrante italiano Luigi Caloi começou importando bicicletas italianas. Um negócio cômodo, que não dava dor de cabeça nem exigia grande investimento. Mas chegou a Segunda Guerra, e a fonte secou. Dedicada integralmente à indústria bélica, a Itália parou de exportar bicicletas. Para continuar vendendo, Signor Caloi foi obrigado a montar, às carreiras, uma fábrica nacional. Assim nasceu a Caloi genuinamente tupiniquim.

Agora, vamos à hora da saudade. Durante toda a infância e a adolescência, minha preferida – hoje se diria meu “sonho de consumo” – foi uma Monark. Papai Noel andava meio apertado naquele tempo. A bicicleta só chegou aos 16 anos, quando o sonho já tinha evaporado. Anos mais tarde, por um desses acasos que a vida nos reserva, cheguei a conhecer a viúva do fundador da fábrica, já bem velhinha. Todo o mundo a chamava de Dona Caloi. Fim da hora da saudade.

Dia desses, um retardado com nome de bicicleta apoiou, numa laive na internet, a criação de um partido nazista. Acho que não preciso dar aqui detalhes, que o Brasil inteiro ficou sabendo da história. Se faltasse uma prova, está aí a demonstração que os ditos “influenciadores” (que pretensão!) do povão não passam de ignorantes. É como um bando de cegos guiado por caolhos.

Com a petulância que só a ignorância lhe permite, o rapaz sustentou sua tese, mostrando desconhecer a história. Na sua cabecinha vazia, nazismo é uma doutrina como qualquer outra. Não é. O nazismo tem um defeito de nascença, que o torna incompatível com o mundo civilizado. Preto no branco, seu programa afirma o objetivo de promover a superioridade da “raça” ariana (à qual o tal influenciador não parece pertencer) e, paralelamente, de exterminar fisicamente judeus, ciganos, homossexuais e oponentes.

Essas diretivas já estavam, aliás, explicitadas no livro Mein Kampf (Meu Combate), que Adolf Hitler escreveu em 1925. Orientais, pretos e índios não são mencionados simplesmente porque, quando a doutrina foi elaborada, não estavam presentes em número significativo em solo europeu. Nazismo é ideologia que, já na cartilha do partido, prega o genocídio – postura proibida por nossa Constituição.

Portanto, que um infeliz “influenciador” não concorde com os termos de nossa Constituição, é problema interno dele. Pode gostar ou deixar de gostar, pode até comentar numa rodinha de amigos na intimidade de seu chatô. Só não tem o direito de propagar suas ideias em praça pública, comportamento agravado, aliás, pelo fato de ser “influenciador”. Em matéria de conselhos tortos, quanto maior for a audiência, maior será a culpa de quem os dá.

Bolsonaro não teve outra opção se não repudiar a fala do rapaz com nome de bicicleta. Só que, mesmo sendo menos “influenciador” que o rapaz ignorante, mostrou ser tão (ou mais) ignorante que ele. Aproveitando o embalo, repudiou também o comunismo, sua obsessão, alegando ser “doutrina que prega o antissemitismo”(sic).

Como é que é? O comunismo prega o antissemitismo? ¡Vaya ignorancia!, como diriam os espanhóis. Quanta ignorância! O capitão precisa urgentemente ler duas linhas sobre o assunto. Vale até a Wikipédia, que, pra ele, já está de bom tamanho. É pra não soltar tanta asneira em público. Acaba pegando mal.

E se alguns daqueles dez ou doze porcento de eleitores que (ainda) o apoiam forem menos ignorantes que ele e souberem que a doutrina comunista, teorizada pelo judeu Karl Marx, não prega o antissemitismo? Vão corar de vergonha? Ou a devoção ao mito do “mito” vai sobrepujar?

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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos,  dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.

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4 thoughts on “Monark e Caloi. Por José Horta Manzano

  1. Danke schön. Minha mulher, de descendência ashkenaz direta e reta, e eu mesmo, resultado de uma curiosa mistura hassídico-ashkenaz que só a perseguição nazista poderia explicar (oui, mon cher; c’est la vie qui n’est pas du tout en rose…), agradecemos por nos poupar de escrever algo mais longo a respeito de alguém tão burro a ponto de se justificar afirmando-se bêbado. E, aliás, foi autorizado por um outro do mesmo tamanho moral, um tal Kim Patroca Kataguiri, um desses inúteis tornado célebre há uns quatro anos em meio à enxurrada de antiesquerdistas fascistóides que emergiram dos subterrâneos para apoiar o capitão e hoje se contentam em afirmar que o partido de Hitler não deveria ter sido banido da Alemanha. Por certo, são desses casos em que a gênese da obra explica seu apocalipse. Interessante mesmo, porém, é que, por estas bandas, os fantasmas nazista e comunista pareçam assombrar tanta gente supostamente pensante. Será que o Séc. XX não serviu para nada, e ainda tem gente que mostra crucifixo para o retrato do Stalin? Em alguns casos, tristemente cada vez mais visíveis, o fantasma provoca arrepios de um prazer mórbido absurdo e criminoso (o bicicletão de roda torta exemplifica a tese). Noutros, o fantasma (que não sei é ‘fantôme’ ou ‘fantasme’, se é que você me entende) enseja exorcismos e sacrifícios rituais praticados por reacionários fanáticos de uma causa enterrada junto ao corpo de Brejnev (mas já certamente ausente no enterro da famiglia Castro…). Ou não é isso que faz o capitão, quando tenta ressuscitar um Karl Marx inchado de tanto apanhar só para poder torturá-lo, esquartejá-lo e enterrá-lo de novo? Infelizmente, o nazismo parece sobreviver em formas perversas e travestidas hoje em dia. Essa pocilga asquerosa chamada ‘Flow podcast’ não me deixa mentir. Que se punam, então. Só isso, e já está bom. Mas, cá entre nós, chamar de ‘comunistas’ os petistas, os esquerdistas em geral ou quaisquer democratas com um mínimo de interesse social, e tudo isso só para exercitar o prazer perverso de destruir um já enterrado inimigo imaginário e se apresentar com o panteão heroico e resistente de uma causa inexistente… Bem, isso já é coisa de idiota, mesmo.
    Abraço familiar.

  2. Pode morrer de inveja: ganhei uma Monark do meu pai quando fiz 8 anos, década de 1950.

    Vivemos tempos horrorosos que pioram com o baixíssimo nível cultural dos que dão palpite a torto e a direito.
    Baixíssimo também é o grau de sensibilidade e empatia dessa meninada que estuda para cuidar de nós: https://gauchazh.clicrbs.com.br/geral/noticia/2022/02/estagiaria-de-medicina-ironiza-morte-de-paciente-e-reclama-de-ter-que-esticar-plantao-ckzgw3jj40009015p6joj00on.html.
    Realmente, este país não anda fácil.

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