O governo Bolsonaro acabou. Por Edmilson Siqueira
Costuma-se dizer em Brasília que, nos últimos dias de um governo, até o cafezinho chega frio para o presidente, isso quando há alguém pra servir o cafezinho. A brincadeira tem motivo e é claro que os serviçais do Palácio do Planalto continuam a exercer dignamente todas suas tarefas até o último segundo do mandato de quem sai. Na verdade, o cafezinho frio ou a ausência dele significam o fim do poder, remetem a um governo que já não pode fazer quase nada, pois dali a alguns dias um novo nome estará assinando as admissões e demissões, o orçamento e as notas de empenho.
Mas hoje assistimos a um fenômeno que, se não é diferente na teoria, na prática ele chega a surpreender: o governo de Jair Messias Bolsonaro acabou com quase um ano de antecedência. A completa maluquice dele e de seus filhos, o destrambelhamento total nas atitudes mais simples, a falta de sintonia com a realidade, as mudanças de comportamento repentinas, a volta atrás em atos e opiniões, o isolamento num cercadinho povoado por um gado manso e adestrado que o chama de “mito” quando ele é, no mínimo, uma farsa, a recusa em aceitar as mais evidentes provas de que a ciência tem razão, o linguajar chulo, o despreparo evidenciado na falta de uma cultura mínima e a crença em notícias escancaradamente falsas, levaram seu governo a terminar sem, na realidade, ter começado de forma efetiva um projeto sequer de grande alcance.
Bolsonaro é a personificação da chamada “fake news”. Favorecido por elas para se eleger e para se manter no poder, ele se transformou na “notícia falsa” em pessoa. Todas as suas promessas que apresentavam um lado bom para o país não foram cumpridas e todo o temor que havia em torno de que, na presidência, seu passado falasse mais alto, se comprovou.
A maior bandeira de sua campanha, o combate à corrupção, foi deixada de lado assim que saiu a primeira denúncia contra um de seus filhos de praticar o famoso “rachid”, que é a divisão dos salários dos funcionários dos seus gabinetes parlamentares entre o próprio funcionário e o vereador ou deputado. Foi assim que a família amealhou pequena fortuna que se transformou em vários imóveis durante os 27 anos de vida parlamentar da família. Pequena corrupção, que sempre ocorreu em gabinetes de todos os parlamentos brasileiros, mas não deixa de ser um crime que precisa ser punido.
Para defender a família, ele se livrou do ministro que simbolizava o combate à corrupção e que estava se saindo muito bem em outra frente também: o crime organizado por quadrilhas de todos os tipos que imperam no Brasil. Os homicídios estavam caindo rapidamente e organizações como o PCC, o CV e outras estavam sofrendo sérios reveses. A saída de Sergio Moro foi um erro tão grande que hoje o ex-ministro talvez lhe tome o lugar na corrida presidencial e vá para o segundo turno.
Na Saúde, o destrambelhamento foi maior ainda. Quando surgiram as primeiras notícias de que um vírus estava se espalhando pela China, Bolsonaro disse que se tratava de um vírus que existia só na televisão, que bastava desligá-la que não haveria mais doença. O pior dessa imbecilidade é que, depois de mais de 600 mil brasileiros mortos pela doença causada pelo vírus, ele deve continuar achando a mesma coisa. Sua conduta durante toda a pandemia – e continua até hoje – foi da mais absoluta treva perante a ciência.
Tirou um ministro que respeitava a ciência, botou outro que, ao não dizer “amém” às suas loucuras, foi demitido também, trocado por um general que ridicularizou ao máximo a força a que pertence e que acabou saindo depois de cometer inúmeras barbaridades no cargo. O quarto ministro, um civil louco pra dar continência, tenta se equilibrar entre os arroubos autoritários do seu chefe e a necessidade de combater a pandemia, em desesperado gesto para se manter no poder. Daí as mentiras todas que é obrigado a falar quase todos os dias. A conduta de Bolsonaro durante a pandemia foi assassina em vários sentidos e, quem sabe, fora do governo, ele responda por essas mortes todas que ajudou a perpetrar.
No meio ambiente, um ativo que o Brasil sabendo usar pode lhe render enormes frutos financeiros, Bolsonaro foi um incendiário. Todos os dados de aumento de queimadas e invasões de áreas protegidas em seu governo ganharam uma consistência que não se via há tempos. O estraga feito nessa área levará muitos anos para ser recuperado. E, até lá, o Brasil perderá bilhões em investimentos que seriam feitos de bom grado por grandes empresas e países visando à conservação do planeta.
E, para não me alongar demais (o governo falha em todas as áreas do governo), Bolsonaro acaba de dar o último suspiro naquilo que é mais importante: a economia. Ainda está bem vivo na lembrança de todos seus discursos de campanha, quando afirmou que não entendia nada de economia e que Paulo Guedes, seu futuro e poderoso ministro, é quem ia dar as cartas. Liberal por formação, um dos primeiros discursos de Guedes foi o de que o Brasil conseguiria cerca de 1 trilhão de reais só com as privatizações. E outros com a nova lei trabalhista, com a reforma administrativa, com a reforma política e todas as reformas que o país tanto necessita. Nenhuma delas saiu do papel depois de três anos de governo.
O que ocorreu nesse tempo foi algo totalmente diverso. Pode-se dizer que a pandemia atrapalhou os planos, mas países modernos, com uma relação saudável entre capital e trabalho e respeito à ciência, estão mostrando recuperação muito mais rápida que o Brasil e enfrentado a nova cepa de forma correta. Aqui, além de não cumprir promessa alguma na economia, acabou entregando-a totalmente ao grupo mais corrupto que há no Brasil. O grupo ao qual os governos do PT recorreram pra ter maioria na Câmara e no Senado pagando-lhes gordas propinas oriundas dos cofres públicos e da Petrobras.
O último ato do governo Bolsonaro foi dar ao Centrão um poder que ainda era de Paulo Guedes. Agora, a execução do Orçamento só será realizada após aval do chefe da Casa Civil, o líder do Centrão, Ciro Nogueira. Como Bolsonaro já era capacho e escravo do presidente da Câmara, Arthur Lira (que também lidera o Centrão), completa-se o fim do governo: quem governa, em todos os aspectos, hoje, é o Centrão.
E assim, o governo Bolsonaro terminou de vez nesse janeiro de 2022, onze meses antes de passar a faixa ao próximo presidente. Sim, ele pode ser candidato à reeleição, mas nada indica que vai recuperar seu eleitorado. Pelo contrário, as pesquisas mostram uma queda vagarosa, porém persistente em vários cenários. A chamada Terceira Via dá sinais de que pode se organizar em torno de um único nome, o que pode ser fatal para Bolsonaro antes mesmo da campanha começar. E não será surpresa que ele desista da reeleição por ter como certa a derrota e tente voltar para a Câmara, para se proteger dos inúmeros processos que responderá por todos os crimes cometidos nesses três anos de governo e também nesse último ano de cafezinho frio no Palácio do Planalto.
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Edmilson Siqueira– é jornalista
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A cada um segundo suas obras: assim será.
Ótima análise. Relato corretíssimo da nossa realidade.