Não vai ser fácil. Por Aylê-Salassiê Quintão
“Limpe os móveis e use água de alfazema para remover as energias negativas” (M.Martins)
Em 2022, o cidadão brasileiro conviverá com a ingovernabilidade. Os sinais são preocupantes: inflação e juros altos, setores produtivos desacelerados e o PIB fazendo um caminho inverso. É o que está sendo detectado pelos economistas de plantão. Os médiuns aparentemente astutos chegam a desaconselhar sair por aí espalhando, augúrios de um Feliz Ano Novo. Há indicações de que nem tudo vai acontecer como se propaga. Ano de eleição, de governança duvidosa. Promessas e desejos desaparecerão num piscar de olhos (verba volant), deixando o cidadão frustrado. É bom aproveitar o tempo para fazer uma “limpeza física e espiritual”. Pode ser necessário.
Mal começa o 2022, e esbarra-se em novas trapalhadas. O governador da Bahia e seu séquito levou para a mídia a informação de que o Presidente da República divertia- se em Santa Catarina, enquanto (carregando na tinta) populações de 163 municípios do estado enfrentavam as consequências das fortes chuvas e inundações: tem gente desabrigada, gente desaparecida, e gente morrendo mesmo.
Costa utilizou a calamidade, assistida direta e prontamente pelo governo federal (omitiu tudo), para incitar o início de uma manifestação política, muito antes das eleições, sinalizando ainda para um retorno ao Foro de São Paulo, ao afirmar, desafiadoramente, sem qualquer escrúpulo legal, que aceitou a ajuda do governo argentino.
A militância começa cedo. Em 2022. O cidadão vai ter de conviver com a incômoda companhia ampla e inconsequente, de todos os matizes (35 partidos), durante os nove primeiros meses. Mais organizações informais e sujeitos oportunistas farão uso da mobilização eleitoral para abrir espaços e expressar frustrações pessoais, estimulando ações coletivas, com demonstrações pacíficas espetaculosas, visíveis pela mídia, a até, sabe-se lá, mobilizações agressivas. Color, candidato, teve de enfrentar militantes no braço. Figueiredo, Presidente, fez o mesmo em Santa Catarina.
A anunciada greve dos funcionários públicos de carreira, contra os privilégios de uma casta que ressurge em seu meio – a polícia – promete paralisar a administração do Estado. Outros lockouts podem ser esperados, em completo desdenho à angústia da população. Vamos torcer para que não apareça alguém tentando atrair os caminhoneiros para uma paralisação. Algumas minorias já anteciparam que 2022 será o ano da LGBT.
No campo da política partidária, ter-se-á uma campanha concentrada na desqualificação de governos, de governantes e concorrentes. O País tende a ficar desgovernado. O próprio Presidente terá de ir à luta, se pretender se reeleger. Caso o vice decida fazer a mesma coisa, o País terá um vácuo de poder.
Não faltarão recursos para o desgoverno. Partidos, senadores e deputados (estaduais também) estão autorizados a usar dinheiro público, perto de 20 bilhões, em obras e compra de equipamentos nos 5.500 municípios, nos quais, a grande maioria, não conhece a presença do Governo Federal. No Orçamento da União de R$1,6 trilhão foram destinados levianamente apenas R$ 44 bilhões para investimentos novos. Metade desse dinheiro vai para as eleições e R$ 16,5 bilhões só para as tais “emendas secretas”. São bilhões.
Como uma espécie de agente da ingovernabilidade, cada parlamentar decidirá onde e quando o dinheiro vai ser aplicado. Moralmente é complicado. Ficarão livres para atravessar programas de Governo, gestões estaduais e municipais,
A Nação vai conviver, em 2022, com uma espécie de semi parlamentarismo ou um parlamentarismo fake. Não bastaram os problemas criados em 1962/63. Os brasileiros estão sempre sendo testados, quando não lesados. A experimentação jurídico política é chave para a sobrevivência dessa gama de gente pendurada, dentro ou fora, no Estado. Não são cientistas, não são produtores, não são trabalhadores, não tem a cara do proletariado. Alguns nunca trabalharam de fato, outros criaram formas na legislação trabalhista para contornar sua participação nas atividades sociais produtivas.
O dinheiro das emendas secretas é algo que parece cair do céu. Lembra Ademar de Barros jogando dinheiro no ar. Não tem nenhum programa de Governo que torne essas obras aderentes ao processo de desenvolvimento brasileiro. Envolvem solução de continuidade – obras iniciadas por prefeitos anteriores e que não tiveram continuidade; ou são casuísmos, para atender interesses dos aliados na base.
São, em sua maioria, tão exclusivas que não há como amarrá-las em um projeto de desenvolvimento nacional ou regional. Esse elo está perdido, desde que o Ministério do Planejamento foi extinto. Vão gerar um estado de confusão e indisciplina entre a gestão de governo e as diferentes frentes de ação política. As campanhas estimulam a circulação extra de dinheiro e até geram empregos temporários.
Difícil de engolir ainda será o fato de que os pré-candidatos, Doria, Ciro, Moro, Lula e até Bolsonaro já tem seus escolhidos para governador. Em razão disso, usando as emendas secretas, todos vão querer começar a governar já em campanha, e poderão provocar uma desorganização da autoridade, nos programas e gestão de Estado. O Supremo Tribunal Federal assumiu parte dessa ingovernabilidade, ao acolher a estranha prática da emenda secreta.
Nessa altura, a questão superveniente é, portanto, descobrir quem vai governar o Brasil em 2022. Ao longe, já se avista um quadro confuso de governança.
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Aylê-Salassié F. Quintão – Jornalista, professor, doutor em História Cultural. Vive em Brasília. Autor de “Pinguela: a maldição do Vice”. Brasília: Otimismo, 2018
E autor de Lanternas Flutuantes: