Belonofobia. Por José Horta Manzano
…Ouvi ontem – pela primeira vez, que eu me lembre – a misteriosa palavra belonofobia. É composição erudita formada pelos elementos gregos βελόνα (belóna = agulha) + φοβία (fobia = pavor). Portanto, belonofobia (ou belenofobia) é pavor de agulha.
Depois que a covid, firme e vigorosa, se agarrou ao mundo e não soltou mais, vêm sendo ressuscitadas palavras e expressões que cochilavam no fundo do armário junto aos saquinhos de naftalina.
Epidemia e pandemia, por exemplo, só saíam do armário pra lembrar surtos de tifo, varíola ou peste bubônica, coisa dos séculos de antigamente.
Ouvi ontem – pela primeira vez, que eu me lembre – a misteriosa palavra belonofobia. É composição erudita formada pelos elementos gregos βελόνα (belóna = agulha) + φοβία (fobia = pavor). Portanto, belonofobia (ou belenofobia) é pavor de agulha.
O único dicionário de língua portuguesa em que encontrei a palavra foi o Estraviz, dicionário benfeito mas pouco conhecido, que congrega o léxico português, o galego e o brasileiro. Ensina que belonofobia é o “receio mórbido em tocar agulhas, alfinetes e objetos que podem picar”.
Atrás dessa palavra, talvez se esconda o verdadeiro motivo de tanta gente rejeitar a vacina, a começar pelo capitão: pavor de agulha. No mundo, muitos entram nessa categoria.
Por alguma razão que desconheço, o povo brasileiro, com raras exceções, foge a essa recusa irracional. Estatísticas informam que apenas 2% de nossos conterrâneos entram na categoria dos antivax. Note-se que, em certos países da Europa, mais de 30% dos habitantes rejeitam a picada.
Eu desconfio que a imensa maioria dos ‘vacino-hesitantes’, embora não ousem confessar, têm mesmo é medo da agulha. À vista de uma seringa, já sentem as pernas bambeando.
Pra tentar convencer os hesitantes, a Suíça abriu um estágio de sensibilização. Gratuito e com duração de duas horas, o cursinho conta com a participação de enfermeiras e psicólogos que ‘apresentam’ seringas e agulhas aos participantes, suavemente, como quem leva as crianças ao serpentário pra mostrar cobra. O objetivo é esconjurar o medo irracional.
Se a técnica vai diminuir a quantidade de ‘vacino-hesitantes’, só o tempo dirá. Se funcionar, seria interessante pagar uma passagem para nosso capitão, pra permitir que ele participe também. Proponho fazer uma vaquinha pra comprar esse bilhete.
De ida simples, de preferência, sem volta possível. Contribuo com gosto.
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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos, dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.
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Prezado. Você sempre me surpreende. ‘Belonofobia’, aliás, me lembra outras palavras, que não sei se você conhece. Quando menininho ainda – curiosamente também vivíamos sob desgovernança de milicos – fui picado por um gentil enxame de vespas que me perseguiu até conseguir o que queria: picar-me coletivamente até acabar comigo, ou quase. Desconsiderando aqui a gentileza de minha parte que deu início àquela das centenas de insetos vingativos, o fato é que fui parar num hospital em estado de choque anafilático, quase um defunto bem jovem. Depois de umas tantas injeções, muita mi shebeirach (reza braba) e medicação oral que até hoje desconheço, recuperei-me como quem volta de entre os mortos e continuei neste mundo. No entanto, por alguns anos ainda, simplesmente não consegui mais encarar uma vespa (nunca mais fui gentil com elas…), nem agulhas em geral. Alguns anos resolveram esse problema, mas apenas muito tempo depois, décadas, um especialista nesse assunto de fobias me disse que aquilo se chamava esfecsofobia, medo de vespas. E, claro, ouvi também o nome de outro medo, que, parece, atinge quem já se encrencou com vespas, abelhas e similares: aicmofobia, o medo particular das agulhas de injeção. Coisas da língua. Felizmente, para mim, as duas fobias não me acompanham mais, não mais me impõem limites – mesmo que eu veja agulhas e vespas com certa antipatia, digamos.
(O caso do capitão é outro: sociofóbico desde tenra idade, odeia tudo que pode resultar em benefício das pessoas ou da sociedade, em geral. Disso decorre não estarmos, no caso dele, apenas no domínio da fobias, mas também no das filias: e, como todos sabemos, ele é necrofílico até o fundo da alma. Lembra-se de quando se falava de necropolítica…?)
Shalom! Você, com certeza, tem razão quanto ao lado “you will never hate alone” do capitão. Mas é que… me divirto a imaginá-lo trêmulo e verde de pavor só de ouvir falar em injeção.