A padroeira do povo. Por José Paulo Cavalcanti Filho
… Para nossos irmãos portugueses um é pouco, dois é bom, três é ainda melhor. Deveria ser também assim, conosco. Faltando só, para que tenhamos três padroeiros, que Francisco imite aquele Bento e converta Conceição, oficialmente, em mais uma padroeira do Recife…
Santo Antônio foi o primeiro padroeiro do Recife. O Santo das raparigas, assim o chamava Fernando Pessoa. Santo Antoninho para as senhoritas de Lisboa, onde nasceu. Depois viveu vida aventureira, pregou aos sarracenos do Marrocos, foi eremita em Monte Paolo (Florença) e fez milagres muitos – como aquele em que, com um só sermão, converteu vinte ladrões. Pena que não ande, hoje, em Brasília e arredores, onde há tantos pecadores que se apresentam como Santos (o que não são). Já velhinho, e sofrendo de hidropisia (barriga d’água), disse às portas de Pádua “estou vendo o meu Senhor”; e as crianças gritaram pelas ruas “morreu o Santo, morreu o Santo”.
Para a Igreja, é o Santo Lutador. Desde quando enfrentou demônios que marcavam seu corpo com dentadas, chifradas e unhadas, até que um clarão os pôs a correr. Ao ver Cristo, falou “Por que não estavas aqui desde o começo, para me socorrer?” Respondendo, o Senhor, “Eu preferi vê-lo combater. Como lutou bem, tornarei seu nome célebre”. Tornou mesmo. Tanto que, na guerra da Restauração (1640-1669), foi nomeado praça por dom Pedro II, O Pacífico. O Pedro II português, bem entendido – que nosso Pedro II, filho de Pedro IV, O Rei Soldado (o Pedro I brasileiro) e da arquiduquesa dona Maria Leopoldina, não foi nunca Rei em Portugal. Depois, por tão patriótico serviço, acabou dito Santo Antônio elevado a Capitão de Regimento.
No Brasil é (ainda hoje) vereador em Igarassu (que tenta, na justiça, se livrar dos encargos financeiros que isso representa). E fez carreira militar, recebendo patente de Soldado na Paraíba e no Espírito Santo; Tenente, em Pernambuco; Capitão no Rio, em Goiás e na Bahia; Coronel, em São Paulo; até que, finalmente, acabou General do Exército brasileiro. Nomeado, em 1890, por ordem expressa do Marechal Deodoro da Fonseca. Passando, em seguida, à reserva remunerada.
Aqui reinou sozinho, como único padroeiro desta cidade a que primeiro chamaram Santo Antônio do Recife, até 1918. Quando o papa Bento XV nomeou, co-padroeira da cidade, Nossa Senhora do Carmo. Uma Nossa Senhora que começou a ser venerada na Palestina. Quando (segundo textos antigos) o deus dos judeus, Javé, enviou fogo do céu para queimar os altares do Monte Carmelo. Depois, em 1251, acabou aparecendo numa visão a São Simão Stok. 16 de julho é o dia dessa Senhora Nossa. Aquele em que, mais ainda que nos outros, deve ser louvada.
Mas é bom lembrar, também, a imaculada Nossa Senhora da Conceição. Reverenciada, no Candomblé, como Oxum. O nome vem de concepção – por ter sido, segundo dogma papal de 1854, “concebida sem pecado”. No Recife é mãe sobretudo das pessoas simples que, em ato de fé, sobem nossos morros todo 8 de dezembro – como nessa quarta. Seu culto nos veio como herança do colonizador português. Desde quando foi convertida por el-rei Dom João IV, O Restaurador, padroeira do Reino de Portugal. Hoje, por lá, são três padroeiros: São Vicente, Santo António e Nossa Senhora da Conceição. Para nossos irmãos portugueses um é pouco, dois é bom, três é ainda melhor. Deveria ser também assim, conosco. Faltando só, para que tenhamos três padroeiros, que Francisco imite aquele Bento e converta Conceição, oficialmente, em mais uma padroeira do Recife.
José Paulo Cavalcanti Filho – É advogado e um dos maiores conhecedores da obra de Fernando Pessoa. Acaba de ser eleito para a Academia Brasileira de Letras, cadeira 39. Integrou a Comissão da Verdade. Vive no Recife.
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