Nos domínios da impunidade. Por Edmilson Siqueira
…a possível volta da prisão em segunda instância continua presa (há uma reunião da comissão prevista para hoje, 8, primeiro passo de muitos outros para que o projeto seja aprovado, depois de mais de dois anos de sua entrada no circuito) por total falta de interesse da maioria dos deputados que, obviamente, temem ser vítimas da lei que eles próprios têm de aprovar…
A farra da corrupção no Brasil está voltando com tudo e agora muito mais protegida por leis produzidas por réus e outros que não querem virar réus, por decisões de altas instâncias judiciárias que, de uns tempos pra cá, começaram a não ver mais crimes naquilo que crime é (usando até de discutíveis provas conseguidas ilegalmente para corroborar suas teses) e pelo formidável aparelhamento que o governo Bolsonaro vem fazendo de todos os órgãos que investigam, fiscalizam e auxiliam no combate aos feitos não republicanos por parte de políticos e agentes públicos que estão crescendo como erva daninha em solo fértil.
No Congresso, enquanto a possível volta da prisão em segunda instância continua presa (há uma reunião da comissão prevista para hoje, 8, primeiro passo de muitos outros para que o projeto seja aprovado, depois de mais de dois anos de sua entrada no circuito) por total falta de interesse da maioria dos deputados que, obviamente, temem ser vítimas da lei que eles próprios têm de aprovar, outros projetos que facilitam a corrupção, impedem investigações, aumentam enormemente prazos para justificativas e diminuem tempo para agentes da lei investigarem, passam céleres por comissões e plenários, movidos pela urgência que têm os deputados de construir escudos que lhe garantam impunidades gerais e roubalheiras cotidianas. O orçamento secreto é a cereja do bolo nessa farra que nem as mais organizadas máfias espalhadas pelo mundo ousaram imaginar.
No Judiciário, notórios ladrões do erário começam a ver seus processos serem anulados por decisões quase monocráticas ou por turminhas vivamente interessadas no “bom relacionamento” com os políticos. Processos que passaram por todas as instâncias sem que qualquer problema de condução fosse detectado, de repente estão eivados de irregularidades que ninguém viu, de conduta inapropriada denunciada por advogados das partes condenadas, de possíveis falhas subjetivas, enfim, são encarados como um “golpe” que necessitaria de um gigantesco conluio entre dezenas de juízes de primeira, segunda, terceira e quarta instâncias para que produzisse efeito. Ao mesmo tempo, réus e julgadores se reúnem alegremente em Portugal, com despesas pagas pelos cofres públicos, para tertúlias à beira do Tejo, patrocinadas por um dos juízes da Suprema Corte. Escracho com toda a população brasileira é pouco.
Já no governo Bolsonaro, as ações em relação à impunidade comprovam que naquela famosa reunião ministerial de abril de 2020 a que o Brasil assistiu estarrecido, o presidente estava falando sério quando disse que ia interferir no Ministério da Justiça. De lá pra cá, foi um aparelhamento descarado de todos os órgãos que podem investigar ou auxiliar nas investigações, como a própria Polícia Federal (delegado que investigar aliado do governo é sumariamente retirado da função e transferido para as beiradas do mapa brasileiro), o COAF que vive mudando de ministério ao sabor dos interesses familiares do presidente, a Receita Federal e até a rotina de extradição de criminosos. De resto, vemos até um general autorizando empresas condenadas pela Justiça a iniciar exploração de ouro em áreas proibidas a atividades desse tipo. Uma farra total que esconde interesses altamente perigosos para a democracia.
Assim, com as quadrilhas dos três poderes agindo num formidável e azeitado concerto, a impunidade volta a vicejar soberana no Brasil. Já não há mais necessidades de mensalões e petrolões como no governo Lula para que deputados e senadores botem a mão gorda sobre o dinheiro público. Ele, o dinheiro, vem de modo oficial, em emendas cujos solicitantes e destinatários são mantidos sob alto sigilo para que não se saiba como estão sendo usados os recursos. Uma única investigação da PF (da parte não podre da PF, diga-se) descobriu um deputado aliado do presidente da Câmara e do presidente da República retirando pacotes de dinheiro vivo de bancos no Maranhão. Além de fotos, há diálogos que revelam a roubalheira. Mas, como disse um excelente artigo de Mario Sabino em O Antagonista, “pode ficar tranquilo, Maranhãozinho que nada lhe acontecerá”. Ou seja, o ladrão flagrado no ato do roubo será devidamente inocentado nas instâncias das quadrilhas que tomaram de assalto o Poder Judiciário brasileiro.
… Já no governo Bolsonaro, as ações em relação à impunidade comprovam que naquela famosa reunião ministerial de abril de 2020 a que o Brasil assistiu estarrecido, o presidente estava falando sério quando disse que ia interferir no Ministério da Justiça. De lá pra cá, foi um aparelhamento descarado de todos os órgãos que podem investigar ou auxiliar nas investigações…
Acabar com esse estado de calamidade pública e notória que hoje domina a República Federativa do Brasil não é tarefa fácil. Claro que ele continuará e até aumentará se o próximo presidente, a ser eleito em 2002, for o atual mandatário ou o antigo mandatário. Ambos são farinhas do mesmo saco, criados na mesma base moralmente corrompida da velha e da atual política brasileira. O mais antigo criou a fase moderna da corrupção, tirando dinheiro dos cofres públicos, de ministérios e estatais, entregando a empresas para pagamento de obras superfaturadas e exigindo que o valor superfaturado voltasse às mãos dos políticos. O mandatário atual, cria da corrupção miúda das rachadinhas, aprendeu rápido o caminho sujo do dinheiro fácil e ainda contribuiu com o aparelhamento da máquina para que ela não investigue nada que possa atingir a ele e seus aliados.
A esperança que ainda resta é a entrada na corrida eleitoral de alguém que se tornou famoso exatamente por combater a corrupção. Sua subida nas pesquisas, embora em ritmo lento ainda, é um sopro novo nessa mesmice criminosa que domina o país desde 2003. Os ataques que têm sofrido demonstram que seus mais importantes adversários sentiram o baque e a possibilidade de ter de enfrentá-lo por estar se tornando viável eleitoralmente. Já é o mais bem colocado da chamada terceira via. E carrega uma esperança de se transformar na via única que o Brasil tem de seguir para se transformar num país decente.
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Edmilson Siqueira– é jornalista
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Essa esperança já se reuniu com a jurista Eliana Calmon, dentre outras personalidades, e hoje com Santos Cruz e Denise Frossard.
Sim, há esperança.