Digerindo o futuro do presente. Por Aylê-Salassié F. Quintão
… Não haverá nenhuma grande reforma, nem revolução. Apenas eleições. Será um espetáculo, com a possibilidade de gerar poucas esperanças e, concomitante, algumas consequências desastrosas. Nunca soluções. Os brasileiros digerem mal o presente e não sabem discutir o futuro…
Passaremos o Natal comedidos e assustados, esperando a recessão de 2022 e envolvidos em uma luta política que nada tem a ver com a vida cotidiana e sofrida dos cidadãos. Não haverá nenhuma grande reforma, nem revolução. Apenas eleições. Será um espetáculo, com a possibilidade de gerar poucas esperanças e, concomitante, algumas consequências desastrosas. Nunca soluções. Os brasileiros digerem mal o presente e não sabem discutir o futuro.
A sociedade, tratada ainda, no campo da política, como “massas”, enreda-se fácil pelas conversas inócuas, pelas falsas agendas e explicações técnicas para algo que, por antecipação, já se sabe que não vai acontecer. Será mais um ano de inutilidades – a ser acrescentado às tais décadas perdidas -, de digestão de ódios, de frustrações e muitas agressões ao bom senso e à cidadania. Não tem um culpado específico. Todos somos culpados, coniventes com esse ambiente. A realidade está em outra direção.
A tendência do Milênio destoa totalmente do que vamos assistir no próximo ano por aqui, com o agravante imediato , segundo o próprio Mark Zuckerberg, de que “se o Facebook não atualizar suas políticas e deixá-las nebulosas, existe uma probabilidade muita alta de se ter uma avalanche de desinformação e tentativas de interferência nas eleições” (Campos Mello, FSP, C-4, agosto, 2021). O brasileiro estará mais distante ainda do futuro que se anuncia com a chegada das novas gerações.
São relativamente poucos ainda, os que conseguem enxergar, objetivamente, o que está vindo por aí. A nova geração aliada das novas tecnologias está à busca da alta performance nas habilidades pessoais, na produção, nos negócios capazes, espera-se, de melhorar a distribuição e a descentralização da renda e de ações concretas para fortalecer a democracia. Essa é a cara do novo desenvolvimento. Está assentado em soluções tecnológicas e numa juventude que se projeta para muito além dos limites culturais enraizados no processo de digestão histórica.
De 2014 para cá, a cibernética, tratada por meia dúzia como a “revolução ilusória” (Soares, 1998), só a área de games agregou 75 milhões de consumidores regulares, movimentou US$ 160 bilhões, e está faturando mais de U$ 2 bilhões com exportações. O Brasil situa-se hoje na 13ª posição no ranking mundial e em segundo lugar na América Latina. Superado apenas pelo México. Quem pensa que se trata de uma indústria exclusivamente de divertimento está enganado. É uma revolução capitaneada pelas ferramentas de trabalho com virtudes pedagógicas. A tendência do Milênio.
Enquanto se arrasta por aqui, assustado, o ódio, as fake, as contradições da lei, a ordem e a corrupção, a tecnologia digital avança, comendo a Nação pelas bordas. Disponibilizada amplamente desde o final da século XX, início do século 21, a sua adoção transita por cima de uma série de conflitos e obrigações nos relacionamentos sociais e políticos cotidianos. Potencializa o trabalho, o conhecimento e tem competências compatíveis com as demandas da civilização contemporânea da pós-modernidade a caminho de uma ultra modernidade.
Transita-se ainda modestamente pela realidade virtual, por cenários simulados, que dispensa todo esse desrespeitoso aparato imobiliário, e avança-se acelerado no campo da realidade aumentada, aquela que acrescenta competências digitais ao mundo ao redor, nos escritórios, nas lojas, na educação, nos serviços públicos e até mesmo dentro de casa, e derruba as falácias políticas e ideológicas, que caminham para se desmanchar sozinhas no ar.
Passado o susto com o Covid, aquilo que não depende de governos e de políticos não está parado. Em um único evento sobre interconectividade e inovação digital, nos dias, 2 e 3 de dezembro de 2021, o Serviço Brasileiro de Pequena e Média Empresa – Sebrae-DF conseguiu reunir 25 mil brasilienses, a maioria jovens, em um seminário sobre inovação tecnológica.
Essa “meninada” busca elevar suas habilidades para entender as virtudes e as competências das novas tecnologias, com o fim de criar as próprias empresas e negócios, baseados em alternativas digitais e virtuais. “Estamos entrando em um novo mundo”, profetiza a professora decana de Pesquisa e Inovação da Universidade de Brasília (UnB). Caminha-se para uma governança global. Mais da metade da população mundial já está conectada. No Brasil, aproxima-se dos 150 milhões. A questão é conseguir responder onde estarão os seus limites, e domá-los domesticamente.
No Distrito Federal já atuam 246 startups, 43,6 por cento no campo da inovação em pesquisa, educação e tecnologia. Em um ano, Brasília pulou da 11ª. posição no País para a 7ª (CB:12.2021). No período da pandemia foram abertas no DF duas mil novas empresas de informática, incubadoras e aceleradoras. É a primeira unidade federativa em qualidade de infraestrutura para tecnologias inovadoras. Emprega 29 mil pessoas. Cinquenta por cento operando em home office, totalmente conectados em atividades produtivas e intelectuais
O neologismo” gamificação” expressa as virtudes contidas nas tecnologias virtuais, e manipuladas digitalmente. Em seus propósitos, desafia jogadores com tarefas e obstáculos a serem enfrentados, promovendo o desenvolvimento do raciocínio lógico e das habilidades para superar desafios, reproduzindo a realidades, sem consequências físicas negativas. Geram tipos específicos de comportamento e atitudes. Envolve diretamente as novas gerações que estão à procura de entender a complexidade do mundo, as formas de habilitá-lo e de nele sobreviver e se reproduzir.
A tecnologia virtual já propicia conexões no campo da agricultura (Agrotechs), das finanças (Fintechs), do comércio (Ecommerce), e da educação, ciência e tecnologia (Edtechs). “Participo de um grupo com mais de 60 empresas de educação e tecnologia”, informa o consultor de Inovação e Gamificação, Iuri Costa. Praticamente, todos os governos no Brasil, sejam federal, estadual ou municipal, possuem uma secretaria de Ciência e Tecnologia, dando suporte à inovação tecnológica em diferentes segmentos da vida social.
As novas eleições não vão nos salvar.
_____________________________________
Aylê-Salassié F. Quintão – Jornalista, professor, doutor em História Cultural. Vive em Brasília. Autor de “Pinguela: a maldição do Vice”. Brasília: Otimismo, 2018
E autor de Lanternas Flutuantes: