Tiros nas ferraduras. Coluna Carlos Brickmann
EDIÇÃO DOS JORNAIS DE QUARTA-FEIRA, 24 DE NOVEMBRO DE 2021
O PSDB, que elegeu duas vezes o presidente da República, que disputou o segundo turno até 2014, resolveu fazer prévias para escolher quem seria o seu candidato no ano que vem– e, ao mesmo tempo, ocupar o noticiário. Pois não conseguiu escolher o candidato; mostrou-se capaz de ocupar o noticiário, mostrando-se incapaz sequer de promover as prévias; revelou-se totalmente rachado, com acusações pesadas entre os candidatos, com uma deputada saindo do partido porque, disse, o que queria mesmo era reeleger Bolsonaro.
Eleição não é para amadores. Nos Estados Unidos, depois de ser batido por Obama, o republicano Joe McCain foi cumprimentá-lo e oferecer-lhe sua cooperação. Os repórteres lhe perguntaram o motivo da gentileza, depois da troca pesada de ataques na campanha. McCain foi claro: “Na campanha ele era meu adversário. Agora é meu presidente”. Mas Sérgio Motta, Montoro, Covas e outros profissionais morreram. Fernando Henrique, o profissional por excelência, já não participa da vida partidária. Restaram os briguentos.
Bolsonaro, mesmo com a caneta na mão e verbas ilimitadas, fartamente distribuídas, não consegue fazer nem com que o chanceler que indicou seja sabatinado pelo Senado. Derrapa nas declarações (comemorou, por exemplo, o “bom dia especial” que tinha dado à esposa, indicando, pelo estardalhaço, que isso não deve ser tão comum; prometeu privatizar a Telebrás, que deixou de ser do Governo há muitos anos). E nega o desmatamento da Amazônia.
E Lula?
Lula mentiu muito em sua viagem à Europa, dizendo, por exemplo, que foi declarado inocente (na verdade, seus julgamentos foram anulados por questões técnicas. E, embora isso não vá dar em nada, têm de ser refeitos). Mas é inegável que fez sucesso, sendo bem recebido por dirigentes que não deram a menor bola a Bolsonaro. E como aproveitou o sucesso? Elogiando o ditador da Nicarágua, Daniel Ortega, que acaba de se reeleger pela quarta vez, agora após colocar na prisão seus sete maiores adversários.
Quis comparar Ortega com Angela Merkel – logo ela, que nunca foi acusada de corrupção, que ganhou eleições sem prender ninguém. E que é eficiente.
Há mais: quando presos políticos fizeram greve de fome em Cuba, e um morreu, Lula foi fotografado ao lado de Raul Castro, o ditador da época, às gargalhadas, e acusou as vítimas da violência de serem reles bandidos.
Por algum motivo, Lula se sente compelido a falar bem de Cuba. No caso da atual repressão a protestos, disse que isso acontece não apenas em Cuba, mas no mundo inteiro. Quando isso aconteceu no Brasil, aí ele reclamou muito. Repressão no lombo dos outros não dói no dele.
E Moro?
Há quem diga que Sergio Moro é um Bolsonaro que come com talheres. Talvez se possa dizer que Bolsonaro carrega a arma nas mãos, e Moro numa caixa de violino. Moro bateu duro no PT e em Lula, por terem elogiado as eleições da Nicarágua apesar da prisão dos opositores, e por tentarem minimizar a repressão aos protestos em Cuba. Disse que “não dá para flertar com o autoritarismo”. Mas manteve pessoas presas por prazos longos, sem julgamento, até que, para poder sair da cadeia, fizeram acordos de delação premiada. A propósito, já circula por aí um vídeo em que Moro, há poucos anos, garantia que jamais faria política.
Fez: não só aceitou o convite de Bolsonaro para ser seu ministro como agora é candidato à Presidência.
O caminho do meio
Quem não quer Lula nem Bolsonaro terá dificuldade para achar um candidato. Boa parte dos políticos está envolvida com alguma coisa. A última: cada um dos 302 deputados que elegeram Arthur Lira presidente da Câmara recebeu oferta de R$ 10 milhões para aplicar em emendas, via orçamento secreto. Quem revela a bandalha é o deputado Delegado Waldir (PSL-Goiás), líder do partido enquanto aguentou Bolsonaro. Arthur Lira não se preocupa: agora, articula a escolha de um vice de seu PP para Bolsonaro.
Religião ameaçada
Em Sumaré, SP, três terreiros de umbanda foram depredados em poucos dias. Os sacerdotes fizeram Boletim de Ocorrência, mas a Polícia se recusou a registrar o caso como intolerância religiosa: registrou-o somente como invasão. A Prefeitura só sugeriu que os terreiros contratassem seguranças. Os fieis filmaram um carro Corsa cujo motorista fotografava quem ia a esses terreiros. Acontece que a placa do Corsa era originalmente de um Meriva. Nem assim as autoridades se mexeram. Alô, governador João Doria!
OAB obrigatória
Atenção, advogados: a eleição para a OAB-SP, a maior do país, é amanhã, das 9h às 17h, e o voto é obrigatório, sob pena de multa. Houve mudanças: para saber onde votar, veja bit.ly/OABSP2021ondevotar. De acordo com a pesquisa do Estadão, duas chapas disputam cabeça a cabeça: a situação, de Caio Augusto, e a 14, de Patrícia Vanzolini e Leonardo Sica, de oposição.
Posso estar enganada, mas as prévias nos EUA não são nenhuma troca de flores.
Com relação a Moro, diga-se o que quiser dele, com todos os adjetivos possíveis – alguns até a conferir.
Só um não cola: ladrão.
E esse único se aplica a quase totalidade dos candidatos para a presidência.
Prezada Sra. Varlice Ramos. Boa tarde! Se me permite incomodá-la, gostaria de lhe fazer uma pergunta: a Sra. rouba? Não se preocupe; sabendo da índole dos que costumam ler este Chumbo Gordo, já apresento aqui a resposta que julgo a mais justa: claro que não!
E, posto que a Sra. não rouba, convido-a a se apresentar à disputa pela Presidência no próximo ano. Nem importa o partido. Se o que importa mesmo é que o próximo Presidente não roube, então eu já anuncio aqui o meu voto na Sra. Conte comigo! Porque entre a Sra. e Moro, esteja certa de que que eu a prefiro largamente. Tenho certeza de que a Sra. é mais honesta que ele, mais competente que ele (seja lá qual for seu métier), menos parcial e suspeita que ele (diz o STF), deve ter uma voz melhor que a dele e provavelmente sabe mais que ele sobre política econômica, relações internacionais, política trabalhista, industrial e comercial, política cultural, saúde pública, educação pública, ciência & tecnologia, meio ambiente, além de ter certamente ter uma visão menos curiosa que a dele sobre o Capitalismo (que ele quer ‘cristão’, seja lá o que isso significa, mas suspeito de que vem de uma leitura estupendamente mal feita de um livrinho mais ou menos importante de Max Weber chamado A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo).
Claro, há o tema deveras importante da corrupção, mas é especialmente por causa disso que a vejo léguas à frente do ex-juiz. Não digo isto apenas pelos equívocos evitáveis e parcialidades intencionais cometidos por ele quando julgou Lula e seus comparsas, mas também pela menção elogiosa que esse sujeito faz a tribunais de exceção, cujo exemplo empírico notório por ele citado (para deixar claro de que lado da história pretende figurar) vem a ser o ucraniano. Sim, isso mesmo! Serviu-se da Ucrânia, governada por ultranacionalistas fascistoides extremistas de direita, para invocar seus tribunais de exceção, que Moro parece recomendar para erradicar a corrupção do mapa! Do nosso mapa!
E as figuras ao lado de Moro, aliás, são as melhores, hein… Fazendo campanha especialmente dedicada a ‘acabar com a corrupção’, quem encontramos? Nada menos que Collor de Mello – que, por sinal, hoje é bolsonarista desde criancinha – e o próprio genocida, que passou a campanha de 2018 garantindo ser o político não profissional (pasme) que acabaria com a corrução de uma vez por todas. Que curioso. Moro diz a mesma coisa…
É isso. Desculpe tê-la cansado na leitura. Meus alunos também dizem que eu escrevo demais (e normalmente não gostam de ler…). Até a próxima!