Há 21 anos, minha primeira fake news. Por Edmilson Siqueira
… Fake news são coisas antigas. Já se diz há muito tempo que “em tempo de guerra, boato é como terra” ou que a primeira vítima de toda ditadura é a verdade. De minha parte, fui apresentado às modernas fake news no segundo semestre do ano 2000…
O ano de 2022, por ser ano de eleição para presidente da República, terá as redes sociais invadidas por fake news de todos os tipos. E não só elas: muitos jornais, revistas, rádios e emissoras de televisão (que são redes sociais também, oras) que fazem campanhas disfarçadas para determinados candidatos, também usarão esses golpes baixos para tentar dar votos aos preferidos e tentar tirar votos dos “adversários”.
Fake news são coisas antigas. Já se diz há muito tempo que “em tempo de guerra, boato é como terra” ou que a primeira vítima de toda ditadura é a verdade.
De minha parte, fui apresentado às modernas fake news no segundo semestre do ano 2000. A rede social de então ainda era o bom e velho e-mail, pelo qual se trocavam mensagens rápidas, divulgavam-se press releases e, entre outras das inúmeras utilidades, formavam-se grupos de discussão.
Eu era editor de Política do Correio Popular de Campinas, então um grande jornal, que se posicionava entre os 10 ou 12 maiores do Brasil. Editava duas páginas por dia com o noticiário que recebíamos das agências Estado e Folha, além da Agência Brasil com as informações ditas oficiais, úteis, porém não muito confiáveis.
Todo dia, como em todo grande jornal, havia uma reunião de pauta ali pelas 16h. Cada editor contava o que tinha de melhor no noticiário para que o editor chefe fosse compondo a primeira página do dia seguinte.
Um belo dia, naquele papinho que sempre antecedia as reuniões, o editor de Cidades (a editoria mais importante de um jornal do interior que também era o responsável pela coluna política do jornal, chamada Xeque Mate, contou que recebera por e-mail uma coisa terrível. Ele disse que nos Estados Unidos os livros de Geografia das escolas do primeiro grau, ou equivalente, ensinavam aos jovens que a Amazônia era um território internacional, que não pertencia mais ao Brasil e sim à ONU, desde 1982. O e-mail reproduzia uma página do livro com um mapa do Brasil separado da Amazônia. E um texto explicativo.
Todo mundo ficou meio espantado, alguns indignados com a informação do colega. Eu não.
Depois que ele descreveu o “absurdo”, perguntei se ele tinha acreditado naquilo. Ele disse que sim. Então falei que tinha más notícias: eu também tinha recebido aquele e-mail com a cópia da página do livro de Geografia norte-americano e desconfiei logo de cara. Primeiro que o texto, já na primeira linha, dizia que a Amazônia deixara de ser brasileira por uma resolução da ONU e dos Estados Unidos de 1982. Ora, resoluções da ONU são do mundo inteiro e não dela e dos EUA. Segundo: o inglês do livro parecia mais de um estrangeiro que estava aprendendo a língua e, terceiro, se a resolução vigorava desde 1982, como nenhum governo, nenhum candidato, nenhum partido político havia reivindicado a devolução da Amazônia para o Brasil? A resposta é simples, disse eu: “É tudo mais falso que uma nota de três dólares”.
E expliquei: quando recebi o texto e desconfiei, fui pesquisar (os mecanismos de busca da internet de então ainda eram poucos), e descobri uma reportagem do Estadão de alguns meses atrás. O jornal também recebeu o e-mail e foi procurar os autores originais, o que já era possível. E descobriram que a, talvez pioneira entre as modernas fake news, foi produzida em dois computadores, um que estava na USP e outro na Unicamp. Foram atrás das pessoas que manipulavam esses computadores e constataram que eram dois funcionários públicos estaduais que se conheciam e com um detalhe bastante revelador: pertenciam ambos a um grupo de discussão do… PT.
Devo dizer aqui que a maioria dos editores do Correio, na época, era petista ou simpatizante. Eu e mais um éramos as exceções. Ficaram todos me olhando como se eu fosse um ET e, desconfiei, que havia acabado ali com algum plano para complicar o governo brasileiro (era FHC o presidente). O editor chefe quebrou o silêncio e iniciou a reunião. O editor de Cidades, que trouxe a história, não falou mais comigo e, quando ele entrou em férias, fui convidado para substituí-lo na coluna política. Quando ele voltou, pediu demissão.
Foi minha primeira fake news, há 21 anos. A primeira que desmascarei, de umas centenas ou mais de outras que viriam depois, até menos sofisticadas, mas mais ferozes e ferinas, frutos da desonestidade vigente nas disputas políticas. Essa foi a primeira que vi na era digital. E, como dizem por aí, a primeira a gente nunca esquece…
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Edmilson Siqueira– é jornalista
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Eu me recordo bem dessa notícia, também a recebi. Num primeiro momento fiquei horrorizada para, nos dias seguintes, dar tratos à bola, raciocinar e chegar a conclusão de que aquilo era mentira. Como de fato. Só não sabia que os produtores do falso testemunho eram petistas.
Mistério esclarecido.