gordura e formosura

Gordura e formosura. Por José Horta Manzano

…Hão de estar pensando que este blogueiro endoidou de vez: “Desde quando gordura rima com formosura? Magreza é que rima com beleza, isso sim!”. É que faz décadas que um corpo humano de volume generoso…

gordura e formosura

Quando é que a gordura deixou de ser formosura? Quem ainda não chegou aos 50 anos é capaz de não ter entendido bem o sentido de minha pergunta. Hão de estar pensando que este blogueiro endoidou de vez: “Desde quando gordura rima com formosura? Magreza é que rima com beleza, isso sim!”. É que faz décadas que um corpo humano de volume generoso perdeu todo significado positivo e passou a ser visto como fora dos padrões, não desejável, a ser banido.

Os mais antigos, aqueles que já viveram mais de meio século, talvez tenham ouvido na infância, num dia de pouca fome, uma ralhação do tipo “– Menino, precisa comer pra ficar gordo, forte, corado!”. Menino ou menina, tanto faz, o incentivo servia para todas as crianças. Reparem que, na fala da avó, a  gordura vinha antes da força porque era a primeira das qualidades que se esperavam de um pequenino. Pequerrucho gordinho dava a prova de estar sendo bem alimentado e sadio.

Alguns autores situam a mudança de paradigma já na virada do século 19 para o século 20. Se chegaram a essa conclusão, será por terem estudado o problema. Embora já entrado em anos, este blogueiro não viveu aquela época. Portanto, não posso dar testemunho do momento exato em que a gordura corporal passou a ser apontada como inestética e, com o passar dos anos, a ser pressentida como causa de doenças e outros perigosos males.

O que sei é que, de pequeno, muitas vezes ouvi crianças sem apetite serem encorajadas a comer mais para ficarem “gordas, fortes e coradas”. Assim era.

A magreza, especialmente feminina, transformada em padrão de beleza a ser alcançado a todo custo chegou ao exagero faz poucas décadas. Chegou-se ao ponto de moças magrinhas serem às vezes reprovadas em agência de manequim – por serem consideradas gordas demais! Um despropósito.

Como resultado, casos de anorexia de origem psíquica proliferaram. Hoje em dia, grandes maisons de haute couture já se deram conta do problema e decidiram afrouxar os parâmetros. E as cinturas. Assim é a vida, um vai e vem cíclico. O que hoje está na crista da onda pode bem amanhã perder todo prestígio. E vice-versa.

pandora

Por que é que falei disso? Quem me inspirou foi a imagem que pus logo no topo do artigo. Era uma gravura que antigamente pequenos estabelecimentos comerciais costumavam exibir, emoldurada e pendurada, bem à vista do freguês. Ao explicar (aos que soubessem ler) que o dono não aceitava vender fiado, o quadro estabelecia sutil correlação entre a riqueza e a gordura corporal. Aliás, toda estampa antiga que mostrasse ricos e pobres fazia igual: o rico era sempre gordo de papada e o pobre, esquelético. A razão era simples: um tinha comida à vontade, enquanto o outro vivia apertado e nem sempre tinha alimento suficiente.

Se a coisa mudou hoje, não é que a fome tenha desaparecido do panorama nacional. Infelizmente, o espectro da insegurança alimentar ainda assombra o cotidiano de milhões. O que mudou foi a qualidade da alimentação. Aquela porcariada industrial, apetitosa e barata, mas cheia de tudo o que não se deve comer acaba engordando e deixando a (falsa) impressão de que a vítima está “gorda, forte e corada”. Na realidade, está só gorda. Os antigos estavam enganados: gordura nem sempre é sinal de boa saúde.

Li um estudo que afirma que o valor do “orçamento secreto” distribuído pelo capitão a Suas Excelências sob forma de emendas parlamentares seria suficiente pra bancar os 400 reais da nova Bolsa Família. Sem teto furado.

Vinte anos atrás, FHC disse que “o Brasil não é pobre, mas injusto”. Apesar de 13 anos de lulopetismo mais 3 de bolsonarismo, nada mudou. Acho até que piorou. Ou não?

__________________________________________________________

JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos,  dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.

______________________________________________________________________

1 thought on “Gordura e formosura. Por José Horta Manzano

  1. Juntar 8 anos de FHC e 13 anos de lulopetismo aos 3 de bolsonarismo não convém à história. O advento do bolsa-família (que descendeu do bolsa-escola de Cristovam Buarque e do comunidade solidária de Ruth Cardoso, e que foi, na época, considerado pela OIT o mais importante programa de transferência de renda do mundo) tornou os governos do PT os que mais investiram em programas de bem-estar para populações pobres, reduzindo grandemente os contingentes da fome. Petistas mais entusiastas chegaram a dizer que a eliminaram. Não sei se é verdade, mas, se não for, não deve ter faltado muito. Refiro-me a esse tipo de fome que agora campeia por aqui. As estimativas variam, mas, na mais parcimoniosa, temos hoje algo como uns 10 a 12 milhões de brasileiros que se obrigam a vasculhar lixo à cata de comida. Na pior, o número passa dos 20 milhões, e devemos lembrar que se trata de gente que leva esse alimento (ou algo parecido) para suas famílias. Multipliquem-se, pois, esses números por 3 ou 4, e veremos o real tamanho da miséria. Que fique claro que não estou aqui a defender o espetáculo de corrupção que se espalhou pelas entranhas do Estado durante a maior parte dos governos petistas (e que envolveu esse mesmo Centrão que continua sugando o Estado, com orçamentos secretos e tudo mais, e agora sem a necessidade de se esconder na Petrobras), entretanto juntar o PT ao capitão, com a desumanidade cruenta que este monstro pratica todos os dias, é um erro. Tanto os governos de FHC quanto os de Lula e Dilma mantiveram programas destinados ao atendimento das necessidades mais elementares de populações pobres, não por razões eleitorais (como agora quer o capitão), mas como parte de um plano geral de política pública social desde que esses governos se iniciaram. FHC e Ruth Cardoso iniciaram com seriedade esses trabalhos, que Lula reuniu, aperfeiçoou e continuou (e Dilma, que queria reduzir juros na marra, quase destruiu ao realimentar a inflação). Por isso, creio que a distribuição de riqueza por aqui continua mesmo muito ruim, provavelmente pior, mas não apesar dos anos de bolsonarismo. Estes, a rigor, são os anos que tornaram tudo pior. FHC, Lula e Dilma tentaram o contrário. Quem tenta destruir a pobreza destruindo pobres é o que temos hoje. Há uma diferença enorme entre, por um lado, tentar o certo, e não conseguir, ou conseguir totalmente; e, por outro, tentar sempre e apenas o errado, o cruel, o desumano, a desgraça – e, aparentemente, por prazer sádico. Isso é o que temos hoje, e não há comparações possíveis entre isso e qualquer outra coisa.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Assine a nossa newsletter