THE FRENCH DISPATCH

The French Dispatch: filme com gosto de Tartare de Boeuf. Por Wladimir Weltman

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Bife tártaro é uma especialidade de um dos restaurantes mais antigos de Paris, o “Closerie Des Lilas”. Nos anos 70, minha tia Fany (mãe do cineasta paulista Alain Fresnot) me levou lá para conhecê-lo. Eu era um jovem bem pouco sofisticado nessa época e ousei acompanhar o prato com Coca-Cola e não com o vinho que ela me ofereceu. O que a deixou horrorizada… Mas pude notar que o lugar era muito especial. Caso fosse médium, teria certamente avistado os fantasmas de Verlaine, Hemingway, Picasso, ou Piaf pairando ali.

O Tartare de Boeuf é um prato feito com carne crua picada, que o maitre prepara na sua frente misturando cebolas, alcaparras, pimenta, molho inglês e outros temperos; servido com uma gema de ovo crua por cima. Ou seja, muita gente não vai apreciá-lo, apesar de ser maravilhoso.

Pois o novo filme do diretor Wes Anderson tem muito a ver com ele. Para apreciá-lo o público terá que ter um paladar sofisticado e pouco convencional. Eu adorei. E, apesar de ser totalmente cômico, também me emocionei muito com ele.

Wes neste filme faz uma homenagem ao meu povo. Não me refiro aqui, nem aos brasileiro, nem aos judeus. Falo dos jornalistas e escritores da velha guarda. Aquelas figuras singulares e geniais como Carlos Heitor Cony, Joel Silveira, Nelson Rodrigues, Clarice Lispector, Justino Martins, Raimundo Magalhães Júnior, Carlos Drummond de Andrade, Rubem Braga, Samuel Wainer, Manuel Bandeira, Alberto Dines, Henrique Veltman, Paulo Mendes Campos, Fernando Sabino, David Nasser, Murilo Melo Filho, Arnaldo Niskier, Zevi Guivelder, meu pai e tantos outros que povoavam as redações de jornais e revistas nos anos 50, 60, 70, até o advento do dilúvio chamado Internet.

Sou filho de jornalista, sobrinho de jornalista, primo de jornalista e praticamente cresci nessas redações. Me formei em Comunicação pela UFRJ e fui foca da Fatos & Fotos; colaborador da Revista Amiga e de publicações da Editora Vecchi. Fui correspondente da Manchete, da Revista de Domingo do JB nos anos 70 e de uma série de outras publicações a partir dos anos 90, em Hollywood.

THE FRENCH DISPATCH é uma ode a esse mundo em extinção no qual eu cresci. Wes Anderson contou que para escrever o roteiro, se inspirou na revista The New Yorker. Criada em 1925, por Harold Ross, ela é considerada por muitos a revista mais influente do mundo, conhecida por suas reportagens detalhadas, comentários políticos e culturais, ficção, poesia e humor. Embora os espaços físicos da revista não sejam tão coloridos quanto os do filme, as personalidades dentro deles certamente eram. Personalidades estas muito similares as das publicações brasileiras nas décadas passadas.

Wes Anderson, fã da revista desde a adolescência, diz que se inspirou na publicação exatamente por causa dessa estirpe de jornalistas pela qual a revista ficou conhecida por publicar. Para ele: “O herói de cada matéria era o escritor”.

Outro aspecto que me encantou no filme é que em vez de situar a redação de sua THE FRENCH DISPATCH nos EUA, ele a colocou na França, numa cidade fictícia – Ennui-sur-Blasé. O caso de amor do diretor com a França é profundo. Wes vive lá e sua paixão com o país começou quando ainda jovem teve acesso ao seu cinema. Recentemente comentou que: “Meu amor pelo cinema francês começa com os irmãos Lumière e Georges Méliès; os diretores dos anos trinta e segue com Jacques Tati, Jean-Pierre Melville e a turma da ‘Nouvelle Vague’ – Truffaut, Louis Malle, Godard. Mas talvez, no centro de tudo, esteja o cinema de Jean Renoir”.

Para povoar suas cenas, que mais parecem quadros, ou cartões postais da França dos anos 50, 60 e 70, Wes conta com um elenco de grandes nomes, alguns fazendo pontinha, quase sem fala no filme. Os que chegam a ter destaque são os atores Bill Murray, Benicio del Toro, Adrien Brody, Tilda Swinton, Léa Seydoux, Frances McDormand, Timothée Chalamet, Mathieu Amalric, Owen Wilson e Jeffrey Wright.

A estrutura do filme também foge ao convencional. Ficamos conhecendo a revista e seus autores através de histórias que foram publicadas no THE FRENCH DISPATCH ao longo de sua existência. Cada história é completamente diferente da outra e acontece em momentos históricos distintos, com a direção de arte acompanhando essas mudanças de forma sutil e maravilhosa.

No último “artigo” da revista que nos é apresentado “A Sala de Jantar Privada do Comissário de Polícia”, Wes homenageia duas outras manifestações artísticas francesas que também me encantam – a cozinha francesa e os livros de ‘Bandedessiné’ (quadrinhos).

Numa história que lembra os film-noir franceses dos anos 50, Wes incluiu toda uma sequência de desenhos animados no melhor estilo dos ‘Comic Books’ franceses como Tintin e Adèle Blanc-Sec: “Angoulême, onde rodamos o filme, é a capital dos quadrinhos franceses e você pode vê-los por toda parte”, contou Anderson. A sequência foi toda animada em Angoulême por pessoas que vivem e estudam lá. Na verdade, algumas das pessoas que trabalharam na animação foram extras no filme.

Para finalizar este artigo, uso as palavras da atriz do elenco, Tilda Swinton, que descreve concisamente THE FRENCH DISPATCH: “É uma carta de amor francesa de Wes Anderson ao internacionalismo, cultura e a arte abençoada do jornalismo independente.”

Bon Appétit!

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WLADIMIR WELTMAN – é jornalista, roteirista de cinema e TV e diretor de TV. Cobre Hollywood, de onde informa tudo para o Chumbo Gordo

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