Confissões de um idoso (Filme “O Pai”). Por Meraldo Zisman
…Não é simples envelhecer. Nunca é fácil envelhecer e ademais quando a pessoa é portadora de uma doença degenerativa. Ao mesmo tempo, não é coisa singela assumir a posição de cuidador de alguém, principalmente se tivermos de ver essa pessoa definhando, desaparecendo aos nossos olhos. É preciso sacrifício, abnegação, paciência…
Minha idade atual é 86 anos. Assisti por duas ou mais vezes O Pai (The Father) filme estrelado por uma plêiade encabeçado por dois atores: Anthony Hopkins e Olivia Colman. Todos em atuações incríveis, sobretudo o primeiro.
Uma obra que trata com delicadeza, porém de maneira complexa, as relações entre pais e filhos, em determinado momento da vida. É um filmaço, uma excelente película, lançada em 11 de março de 2021 (Brasil).
O diretor/autor/roteirista Florian Zeller, trata o assunto tão bem quanto na versão homônima de teatro. Esse diretor destaca-se pelo seu comando magistral em todos os aspectos. Anthony Hopkins está muito bem, ele nem parece estar representando, mas que vive o seu próprio cotidiano, atuando de forma impecável, apesar dos oitenta anos.
Como sou médico psicoterapeuta e não crítico de cinema, poderei dizer que a minha geração recebeu e abrangeu a Literatura e a Cinematografia como os principais veículos da Cultura. Deixo maiores detalhes para os críticos da designada Sétima Arte. Portanto, me aterei às mudanças das relações entre pais e filhos por me considerar um simples cinéfilo. Teria perdido a chance de assistir esse “filmaço” caso não fosse a sua indicação para o Oscar e críticas especializadas no YouTube.
Vamos ao contexto:
Não é simples envelhecer. Nunca é fácil envelhecer e ademais quando a pessoa é portadora de uma doença degenerativa. Ao mesmo tempo, não é coisa singela assumir a posição de cuidador de alguém, principalmente se tivermos de ver essa pessoa definhando, desaparecendo aos nossos olhos. É preciso sacrifício, abnegação, paciência.
Quem sabe por não ter ainda a consciência da seriedade de sua condição (o filme não confirma, mas deixa subentendido que ele tem Mal de Alzheimer) o protagonista recusa a ajuda da cuidadora que é a sua filha, Anne (Olivia Colman). O tempo e o espaço se confundem. Permanece valida a resposta de Santo Agostinho (354-430) sobre o que é o Tempo:
— “Se ninguém me perguntar, eu sei; porém, se quiser explicar a quem me pergunta, já não sei” (Conf., XI, 14, 17)”.
Essa resposta de Agostinho não impede, entretanto, que ele seja ousado em sua construção, sendo ele considerado, até hoje, um dos mais importantes pensadores da Igreja Católica. Ele consegue nos colocar diante do desespero e da impotência de alguém que não sabe mais se situar no mundo.
Sabemos que o ano de 2020 foi atípico, em todos os aspectos, influenciando a vivência de cada um de uma maneira diferente. No entanto, nada do que se passou em 2020 foi tão grave a ponto de nos colocar diante do desespero e da impotência de alguém que não sabe mais se situar no mundo.
Quando a atriz Olivia Colman nos apresenta uma filha preocupada, mas ciente das decisões importantes que precisa tomar, pois haverá um Novo Normal, porque homens e mulheres são seres conjunturais.
Pode essa película não ganhar algum Oscar, mas continua válido o velho ditado: “Um pai ou mãe dá de comer a 10 filhos, 10 filhos não dão de comer a uma mãe ou a um pai”. Sabemos que continuamos a viver tempos anormais, em todos os sentidos, mas pensar que estamos falando no Oscar 2021 e “Meu Pai” não ser o favorito em várias categorias é um verdadeiro absurdo… independentemente de sua pertinência.
O Talmude é um livro-comentário do Velho Testamento, uma coletânea de volumes sagrados dos judeus, um registro das discussões rabínicas sobre a lei, a ética, os costumes e a história da religião hebraica.
Sei que os tempos mudam e nós mudamos com eles, mas me permito parafrasear o Talmude: “Não vale a pena viver caso a pessoa dependa dos filhos ou das filhas, ou que seu coração seja duro como uma pedra”.
A Morte é definida atualmente como uma inimiga a ser derrotada pelos acelerados avanços médicos, embora saibamos muito bem que somente poderemos adiá-la. Ao tentar vencê-la, creio eu, tornamo-nos mais ingênuos e desprezamos o mais importante, que é a arte de viver.
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Meraldo Zisman – Médico, psicoterapeuta. É um dos primeiros neonatologistas brasileiros. Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha). Vive no Recife (PE). Imortal, pela Academia Recifense de Letras, da Cadeira de número 20, cujo patrono é o escritor Álvaro Ferraz.
Por favor, deem ao Dr. Meraldo Zisman a informação de que quase não consegui ler o texto dele, de tão escorreito, culto e muito emocionante. Corri para assistir o filme, eu ganhei o sábado e o Dr. Zisman ganho um fã, um garoto de 74 anos de idade e que mora em Brasília.
Dr. Meraldo, mais um artigo MAGISTRAL! Ainda não assisti ao filme, mas, senti algo sereno enquanto inevitável no ar: a única autoridade que não pode e não deve ser desmoralizada é a morte.
Parabéns! E, muito obrigada por nos presentear com seus tocantes artigos.