O futuro já chegou. Por Alexandre Morais da Rosa
… A geração da mensagem direta, desprovida de mediação interpretativa, exige novos comportamentos comunicacionais. O paradoxo é recorrente. Enquanto as gerações antecedentes continuam dialogando na mesma frequência, as novas gerações buscam caminhos simplificados, de conteúdo direto. A lógica passa a ser cada vez mais do sim e do não, em que o talvez, a graduação das múltiplas posições, perde-se em contextos lógicos: sim e não…
Em 2000 esperávamos encontrar um novo mundo. A virada do ano nos trouxe muita esperança e insegurança sobre o futuro. Passados pouco mais de 20 anos, a nossa vida se alterou muito, em todos os aspectos. A tecnologia invadiu o nosso cotidiano. Os primeiros autores de tecnologia e inteligência artificial eram tidos como visionários, muito lunáticos. A convivência compartilhada com dispositivos digitais ampliou a nossa capacidade de conhecimento direto, ao mesmo tempo em que trouxe novos desafios de compreensão e de abstração. A geração da mensagem direta, desprovida de mediação interpretativa, exige novos comportamentos comunicacionais. O paradoxo é recorrente. Enquanto as gerações antecedentes continuam dialogando na mesma frequência, as novas gerações buscam caminhos simplificados, de conteúdo direto. A lógica passa a ser cada vez mais do sim e do não, em que o talvez, a graduação das múltiplas posições, perde-se em contextos lógicos: sim e não.
A nossa postura pode operar em dois sentidos. Os continuístas procuram estabelecer pontes, caminhos, relações entre o mundo que não existe mais e o contexto atual, enquanto os disruptivistas apontam para novos e imprevisíveis horizontes. No meio desse movimento, precisamos nos situar, entre máquinas.
As máquinas passaram a compor o nosso cotidiano. No caso do Direito, onde pesquiso, invadiram o campo do apoio à decisão, avaliação e produção de provas, de auxílio em quais as melhores argumentações em face de julgadores singularizados. O que era apenas filme de ficção passou a ser condição de possibilidade para o exercício adequado da profissão jurídica. O desafio é mais complexo porque existem pelo menos dois modelos de juristas: os que nem sequer sabem do que se passa e os que arregaçaram as mangas e estão indo atrás de melhores condições de competitividade digital. O efeito imediato é a disparidade digital de armas. No ambiente forense, cada vez mais, profissionais providos de recursos tecnológicos conseguem obter ganhos em relação aos alienados digitais, com prejuízos ao direito justo. A Injustiça digital não se trata apenas de uma questão de acesso. Cuida-se de questão democrática; de cidadania digital. Ainda que tenhamos muitos excluídos do mundo digital, independentemente da situação pessoal, ao procurarem o acesso à justiça, na hipótese de o advogado ser alienado digital, o cidadão é duplamente excluído (pessoalmente e pelo advogado). Somam-se duas condições de vulnerabilidade, cujo efeito é trágico.
Pensar as possibilidades de redução das disparidades digitais no Direito é o desafio atual. A tendência é a de que o fosso tecnológico cada vez mais se amplie, com efeitos deletérios em nosso caminho de igualdade mínima e de julgamentos justos.
Por isso tenho insistido na necessidade de que se possa ampliar o conhecimento e a informação sobre o potencial (e os perigos) das máquinas que podem servir aos mais variados fins. Para que possamos distinguir entre o sinal e o ruído tecnológico, primeiro precisamos dominar conceitos mínimos, sob pena de sermos enganados facilmente. Presas do excesso de dados e de informação (informação é dado com sentido). A força das máquinas atualmente ocorreu porque temos alta capacidade de processamento e dados em abundância (big data). A força é a nossa fraqueza, por mais paradoxal que seja, já que sem meios de processar e de acesso aos dados, cada vez mais ampliamos as disparidades.
Com Daniel Boeing escrevemos um livro, “Ensinando um robô a julgar” (Emais Editora). Por ele defendemos “como” e “em que” circunstâncias uma máquina pode apoiar decisões humanas (sempre centrado no humano). Temos ciência de que nada é tão simples, nem que as questões éticas são equalizáveis de modo universal (o eterno problema dos universais).
O que apostamos é que daqui a mais 20 anos, na velocidade que estamos acelerando a maturidade tecnológica, as máquinas participarão cada vez mais de nossas vidas. Hoje, enquanto o leitor está lendo esse texto, que sou muito alegre de estar aqui (Roland Barthes dizia ser uma alegria e não uma honra, porque a alegria é sincera e a honra nem sempre), algumas máquinas estão também lendo e classificando o conteúdo, os algoritmos indicando aos seus leitores, enfim, as coordenadas do jornalismo se modificaram. Por mais que tenha o cheiro do jornal na minha memória, arremessado pela manhã pelo entregador, a geração atual faz download e nunca saberá o que é o jornal molhado.
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– *Alexandre Morais da Rosa é doutor em Direito pela UFPR, Professor de Processo Penal na UFSC e na UNIVALI, Juiz de Direito em Santa Catarina. É Autor de vários livros, dentre eles “Ensinando um Robô a Julgar” e o “Guia Do Processo Penal Estratégico” (que será lançado neste mês) – ambos pela Emais Editora