Em 20 anos, tudo pode mudar. Menos os ônibus de São Paulo
Por Leão Serva*
Há uma coisa que não mudou de 1995/96 até hoje. Um mesmo grupo de empresários controla a maior parte do sistema de ônibus em São Paulo: têm concessionárias dos veículos (chassis e motor), fábrica de carrocerias e têm dois terços das viações…
Artigo publicado originalmente na coluna do autor na Folha de S. Paulo, edição de 14 de dezembro,2015
O slogan de uma rádio jornalística diz que “em 20 minutos, tudo pode mudar”. Imagine em 20 anos! É provável que já não existam mais telefones celulares: com um pequeno chip junto ao cérebro vamos pensar em alguém e logo transmitir ideias, onde quer que a pessoa esteja.
Viagens a trabalho serão abolidas: teleconferências vão permitir interação entre pessoas de locais distantes do planeta sem necessidade de deslocamento físico. Isso nem é futurismo: já há dez anos médicos sentados em Houston (Texas, EUA) comandam com equipamentos robóticos cirurgias de emergência em soldados feridos no Afeganistão ou no Iraque.
Não é preciso ir tão longe: hoje, exames de imagens feitos em pacientes no interior de São Paulo podem ser enviados em frações de segundo para o Instituto do Câncer, na avenida Dr. Arnaldo (São Paulo), analisados e devolvidos para que o paciente receba o laudo rapidamente em sua cidade. Em 20 anos, talvez possamos tele transportar o próprio paciente.
A licitação aberta pela Prefeitura para a concessão do sistema municipal de ônibus, que deve ser decidida em 2016, prevê contratos de 20 anos, renováveis por outros 20. Mantém os pisos baixos, não força a troca dos motores diesel.
Há 40 anos, o homem se preparava para chegar à Lua; há 20, Estados Unidos e Rússia projetavam a construção da Estação Espacial Internacional, que ficou pronta em 2011. Talvez em 2036 esteja pronta uma estação entre a Terra e Marte. Ali, os viajantes poderão comer tortas de maçã e tomar drinques, proibidos durante a viagem (“Se beber não dirija uma nave espacial”). Talvez possam até manter encontros amorosos em salas indevassáveis, relaxando em meio às longas viagens entre os planetas azul e vermelho.
Há uma coisa que não mudou de 1995/96 até hoje. Um mesmo grupo de empresários controla a maior parte do sistema de ônibus em São Paulo: têm concessionárias dos veículos (chassis e motor), fábrica de carrocerias e têm dois terços das viações.
São autossuficientes, por assim dizer: depois de dez anos, quando o contrato paulistano manda aposentar os veículos e contabilizar 100% de depreciação, eles os vendem para outras cidades onde a vida útil é de 15/20 anos; mais tarde, ainda outra vez, mandam-nos para países do terceiro mundo, que aceitam ônibus de 30 anos… Para que o ciclo seja completo, precisam dos motores diesel, aceitos em todos os cantos do mundo, do piso baixo e outras características técnicas semelhantes às que vigoravam em São Paulo nos anos 1990.
…No entanto, os mesmos empresários estarão operando os ônibus, coletando o lixo e trocando as lâmpadas das ruas de São Paulo...
A licitação aberta pela Prefeitura para a concessão do sistema municipal de ônibus, que deve ser decidida em 2016, prevê contratos de 20 anos, renováveis por outros 20. Mantém os pisos baixos, não força a troca dos motores diesel.
No prazo, segue o padrão adotado pela prefeita Marta Suplicy (2001-2004) para os contratos de coleta de lixo (vão durar até 2024 ou 2044) e pela administração do prefeito Haddad para a troca da iluminação pública (até 2036).
Deve haver vantagens em contratos de tão longo prazo. Londres e Paris, metrópoles de referência em transportes públicos, ainda não perceberam e fazem concorrências em prazos bem menores. Provavelmente logo vão aprender com São Paulo e alongar seus compromissos.
Em 20 anos, tudo pode mudar. O prefeito Haddad e a apresentadora Xuxa Meneghel terão 73 anos, Paulo Maluf, 105. Eu completarei 50 anos de casado. Se ainda existirem, os iPhones serão trintões.
No entanto, os mesmos empresários estarão operando os ônibus, coletando o lixo e trocando as lâmpadas das ruas de São Paulo.
- Leão Serva – Ex-secretário de Redação da Folha . É jornalista, escritor e coautor de ‘Como Viver em SP sem Carro’. Escreve às segundas, quinzenalmente, no Caderno Cotidiano. Ex- Jornal da Tarde, ex-Lance, ex-iG , chefiou a assessoria de comunicação de Gilberto Kassab (na prefeitura, desde a gestão José Serra), e foi diretor de redação do Diário de S. Paulo. Vários livros publicados na área de interesse de Cidades, Mobilidade Urbana. Fundador da Santa Clara Ideias.