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O que foi feito do coitado do plural? Por Marli Gonçalves

Se letras matassem fome, se pudessem ser transformadas em alimentos, e fossem recolhidos todos os “S” esquecidos por aí com a maior normalidade, uma parte desse problema tão grave estaria exterminado. Mas, infelizmente, aponta apenas para o que fazemos da língua portuguesa nesse país que tanto despreza a Educação.

 S - plural

Não lembro de outro momento onde tenham sido feitas tantas entrevistas com a população, com gente comum, do povo. Seja nas ruas, na frente dos postos de saúde, hospitais lotados, ouvindo apelos ou denúncias; seja por intermédio da internet, pelas telas dos celulares ou computadores de quem está isolado em casa, ou em algum lugar distante. Seja, ainda, pelo envio às tevês de vídeos, incentivados por campanhas ou apelos de apresentadores para que as pessoas expressem suas opiniões ou reclamações.

No jargão jornalístico chamamos (ou chamávamos, porque tantas coisas têm mudado e perdido o sentido ultimamente, que já nem sei mais) de “Povo fala”.

Sempre foi uma forma importante de consulta, e sempre mostrou um retrato fiel de nossa população. E cada vez mais mostra também o quanto a linguagem tem sofrido. Os plurais, entre os mais afetados, coitados, esquecidos pelos cantos. E nem estou falando só de linguagem quase institucionalizada, regional, “um chopps, dois pastel”, que virou ironia para paulistas. Mas atenta à uma certa preguiça de pensar que leva ao constante desvio da norma culta. “Nós vai, nós vem” e tudo bem.

O outro coitado, o dinheiro nacional já tão desvalorizado, o real. Não há Cristo que o multiplique desse jeito, com o popular hábito de deixá-lo sempre no singular. “Dois real”, gritado tanto em centros de comércio, como expresso nas respostas dos balconistas: “custa só 100 real”.

O extermínio do plural também tem sido muito acompanhado pela não conjugação dos verbos. Há conjugações completamente esquecidas, em suas flexões, tornando-os com suas juntas duras, e frases sem alongamento. Algumas dessas formas, quando usadas, causam até espanto, perplexidade. As mesóclises, por exemplo – a colocação do pronome no meio do verbo – do ex-presidente Michel Temer, foram para a história da política. Jânio Quadros também foi outro muito chegado a essas formas. Mas ainda tem a próclise e a ênclise… Nossa língua é mesmo cheia de bordados.

Em compensação, uma praga, talvez porque reclamamos muito do elitismo de uns, da rudeza e simplicidade de outros, como o Lula, ou dos desvarios das frases de Dilma, suportamos agora, de Bolsonaro, as falas mais tortas e palavras mal digeridas proferidas diariamente, que atacam inclusive a democracia. Só pode ser praga. Nenhuma de suas orações servem ao progresso.

O futuro do pretérito do indicativo, o pretérito mais-que-perfeito, o infinitivo pessoal, o pretérito imperfeito, o Infinitivo impessoal composto, de mãos dadas com o gerúndio composto, se jogam deprimidos por aí, continuamente ameaçados e horrorizados inclusive com a forma como um dos seus familiares – o gerúndio – se aclimata tão bem no país que tudo posterga. Nada mais é realizado, mas estará sendo; ninguém mais liga, “vai estar ligando”, e por aí vai a valsa, rodopiando, rodopiando.

Nosso povo é plural, decerto. Esperamos que cada vez mais isso fique claro e seja respeitado. Mas aprendemos muito sobre formas corretas lendo – e nossos livros agora estão sob ameaça de taxação que ainda os fará mais caros do que já são. Aprendemos também com o que ouvimos, e nas tevês – basta prestar atenção – até a publicidade, antes tão bem cuidada, comete assassinatos, seja em plurais, conjugações, ou em vícios de linguagem, estes vilões que poderiam ter uma Cracolândia só para eles: barbarismos, arcaísmos, neologismos, solecismos, ambiguidades, cacófatos, ecos, pleonasmos, estrangeirismos, estes ultimamente beirando o insuportável.

É um tal de “sair para fora”, “entrar para dentro”, “nunca ganha”, “boca dela”, que doem nos ouvidos. Só não mais, “tipo”, do que a estranha língua falada pelos participantes do BBB e as letras dos inacreditáveis funks que assolam a música nacional.

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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto.  (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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7 thoughts on “O que foi feito do coitado do plural? Por Marli Gonçalves

  1. Só pessoas sensíveis como você, Marli, dão importância à correção da linguagem. Foi “nisso aí” que desembocou a escola sem repetência: uma 2ª Torre de Babel , onde só se entendem os que fazem parte de segmentos cada vez mais radicais, cada vez menos preparados, cada vez mais “seguidos”!
    Estamos em extinção…
    Mas ainda assim lhe mando um “bejo”: 💋!!!

  2. Lula, um cara deveras singular, nunca usou plural porque achava que isso não existia (de fato, ainda acha); Dilma, uma presidenta insuspeita (ou suspeita demais…), introduziu a “mosquita” no léxico da língua portuguesa; Temer falava mesóclises como quem imaginava as estar escrevendo (note a finesa de minha próclise…); já o capitão, em sua mais notável contribuição à atividade linguística do diálogo e do mútuo entendimento, diz “bosta” em qualquer ocasião, pessoalmente ou por telefone, referindo-se a qualquer um, a qualquer coisa, ou por qualquer razão. E, às vezes, esmurrando a mesa (como naquela famosa reunião ministerial gravada, em que o vocábulo foi arremessado à audiência umas oitocentas vezes – e todos saíram meio sujos da sala). Enfim, é o que temos para o momento. Quem sabe, a gente vota melhor da próxima vez (embora, na boa, eu duvide muito…).

    1. O Ciro Gomes é o melhor candidato para chefiar o executivo brasileiro… mas os eleitores preferem votar em candidatos que já apresentaram provas negativas.

  3. Marli, você se esqueceu do famigerado ‘por conta’ que deu um definitivo chega-pra-lá no ‘por causa’ – eu me nego a entrar nessa onda.
    E pensar que já tivemos compositores-poetas do porte de um Cartola que possuía somente o primário…

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