O óbvio e o que não se quer ver. Por Alexandre H. Santos
O ÓBVIO E O QUE NÃO SE QUER VER
ALEXANDRE HENRIQUE SANTOS
“Para morrer basta estar vivo.” Dito popular
É verdade que o médico Dráuzio Varella afirmou, no início do alerta mundial vindo da China, que não havia motivo para pânico, pois o Covid-19 se dispersaria entre nós como uma gripe comum – ou uma gripezinha, como preferiu dizer, na mesma época, o Presidente da República. A diferença entre esses dois importantes e destacados personagens brasileiros, aliás uma profunda e gigantesca diferença, é que tão logo se deu conta do seu equívoco, o doutor Dráuzio assumiu publicamente seu erro, pediu desculpas e se retratou. Isso não aconteceu com o senhor Jair Messias Bolsonaro. Ele jamais desceu do pedestal para nos dizer “Oi, gente. Foi maus. (sic) Eu me equivoquei!”
Mas o pior mesmo é que a rede dos negacionistas, de maneira consciente e proposital, ignorou a autocrítica do médico paulista; e prosseguiu divulgando, durante meses seguidos, o vídeo no qual o doutor Varella minimizava os efeitos da nova gripe. Muita gente passou a se descuidar porque confiou na mentira disseminada.
Em fevereiro de 2020 os países ainda despertavam, de forma atabalhoada e heterogênea, para a gravidade do problema. Nos rostos e nas falas dos políticos, médicos e cientistas a surpresa era completa. Ninguém sabia exatamente que fazer diante do caos que ocorria na China e, em seguida, na Itália e na Espanha. Alguns líderes reconheceram o perigo do tsunami que se aproximava e reagiram com rapidez e severidade, coordenando ações nacionais de profilaxia sanitária. Ângela Merkel (Alemanha) e Jacinda Ardern (Nova Zelândia) são os exemplos mais notáveis. Outros líderes, uma minoria, escolheram pregar o negacionismo; e seus seguidores continuaram acreditando que o Covid-19 era, sim, uma gripe inofensiva e passageira. O mais terrível é que essa ignorância contaminou milhares de pessoas, talvez milhões, que seguiram com comportamentos de risco, mesmo depois que a ciência e os números comprovaram a letalidade da doença.
Perdemos um tempo precioso vendo e ouvindo que a cloroquina iria salvar o Brasil. A montanha de cadáveres que se avoluma no país – aos olhos aterrados de todo o planeta – resulta da total ausência de liderança nacional nessa guerra contra o vírus. Em momento algum o presidente chamou para si a responsabilidade de unificar o país numa campanha urgente e humanitária pautada na ciência. Nenhuma convocatória das lideranças regionais acima das ideologias; nenhum gabinete de crise suprapartidário; nenhuma proposta que reunisse os quatro poderes da República – queiramos ou não, os militares são o quarto – com nossos principais médicos, cientistas e secretários de saúde. Enfim, a grande onda foi se aproximando, se aproximando, gigantesca, destruidora, e nós, os brasileiros, continuávamos alheios na praia, brincando de castelo de areia. Nosso salva-vidas, desde a altura olímpica do seu posto, simplesmente olhava e não via a chegada do tsunami. Como poderia ele então nos alertar? Há coisas que são óbvias, e outras que a gente prefere não ver…
O fato de que em pouco mais de 365 dias de pandemia nós tivemos quatro Ministros de Estado da Saúde, reitera e reforça não apenas a incompetência presidencial para escolher um nome adequado; mas a impossibilidade de compatibilizar ciência e negacionismo. O general Pazuello, ainda quando era ministro, soltou uma pérola que escancarou quem realmente comanda a Pasta da Saúde: Um manda e o outro obedece!
Diz a pedagogia que a melhor forma de educar é através do exemplo. Enquanto a avassaladora maioria dos países adotava condutas preventivas exemplificadas nos comportamentos públicos dos seus líderes – notadamente, o uso da máscara, o “cumprimento cotovelar” e o distanciamento social –, aqui no Brasil tivemos desde sempre a completa negação delas.
Ora, se o Presidente da República Jair Messias Bolsonaro se apresenta nas mais diversas liturgias e circunstâncias, sem usar máscara, cumprimentando as pessoas (inclusive idosos!) cara a cara e com abraços apertados, estimulando aglomerações e desdenhando das vacinas…. Como podemos ver nele alguém com competência para proteger a população contra a pandemia? Como?
Não trato aqui de defender posições ideológicas. Não faço proselitismo a favor de Ciro, Lula, Doria, Moro, Huck ou outro candidato qualquer. O tema da sobrevivência nada tem a ver com escolhas políticas ou religiosas; nem com raça, classe ou time de futebol. Pouco importa se o sujeito simpatiza com a direita, com a esquerda ou com o centro… Estou falando de seres humanos, de pessoas de carne e osso, de gente como você ou como eu, que tem família, amigos e que está morrendo por causa da completa falência do Estado na missão de nos alertar e de nos proteger!
Nada nem ninguém foi capaz de fazer nosso governante maior mudar suas atitudes, e dar para a população exemplos de conduta preventiva. A foto do nosso Ministro das Relações Exteriores (e sua ridícula comitiva) em Israel, passando o vexame de ser obrigado a usar máscara, foi exposta nos principais jornais do mundo. Não, Chanceler, Israel não é a casa da mãe Joana. Nossa imagem internacional hoje é de uma terra arrasada pela ignorância.
A fatura dessa mistura mortífera de negacionismo, incompetência e insensibilidade (“Eu não faço milagres.”; “A morte é o destino de todos nós!”, “Em todos os lugares estão morrendo pessoas.”; etc.) já chegou. Este articulista opina que há um principal responsável – não o único – e ele ocupa a Presidência da República. Nossos números diários têm sido atemorizantes; e me dói na alma terminar com um alerta: prepare seu coração porque o cenário de terror vai piorar – o Brasil se tornou o epicentro dessa catástrofe planetária.
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*Alexandre Henrique Santos – Atua há mais de 30 anos na área do desenvolvimento humano em e para grandes corporações. É terapeuta e coach. Mora em Madri e realiza workshops presenciais e à distância. É meditante, vegano, ecologista. Publicou O Poder de uma Boa Conversa e Planejamento Pessoal, ambos editados pela Vozes..
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