Viva a impunidade? Por José Paulo Cavalcanti Filho
VIVA A IMPUNIDADE?
JOSÉ PAULO CAVALCANTI FILHO
…A história se repete, e nem sempre como farsa, razão tinha mesmo Maquiavel (O Príncipe) no seu debate com Marx (18 Brumário). Em 2009, na Operação Castelo de Areia, 4 diretores da Camargo Correia foram presos. E muitos poderosos corriam risco de lhes fazer companhia. Até que…
No começo da humanidade, a deusa Iustitia reinava. Nessa Idade do Ouro, deuses e mortais andavam juntos em banquetes e festas. Homens não conheciam a velhice. Quando chegava o tempo de morrer, simplesmente adormeciam. Em paz. Mais importante é que “nada tinham a esconder e o roubo não existia”, lembra Pierre Grimal (Dicionário da Mitologia). Já não é assim. Ao menos por aqui, hoje.
A história se repete, e nem sempre como farsa, razão tinha mesmo Maquiavel (O Príncipe) no seu debate com Marx (18 Brumário). Em 2009, na Operação Castelo de Areia, 4 diretores da Camargo Correia foram presos. E muitos poderosos corriam risco de lhes fazer companhia. Até que entrou em ação Marcio Thomaz Bastos, ministro da Justiça de Lula. E o ministro do STJ Cesar Asfor Rocha encerrou o processo usando um argumento pífio, de serem anônimas as fontes da denúncia. Sem se incomodar com o fato de que as investigações confirmaram haver mesmo corrupção, grande, no governo de então. Palocci depois confessou que o PT premiou Asfor com grana, muita, isso ainda veremos algum dia. Ou não, tudo é mistério.
Há só duas consequências importantes, nesse HC 193.726 de agora. O mais são detalhes. 1. Prescrição. Lula não voltará à prisão. Todos sabem disso. Que, com mais de 70 anos, prazos se contam pela metade. Está livre. Pode comemorar. 2. Ficha limpa. Lula poderá ser candidato; o que, para a democracia, é sempre algo bom. Como ensina Grândola, Vila Morena, de José Afonso, “o povo é quem mais ordena”.
Na essência, uma Corte de Justiça respeitável teria que decidir o que é importante para o Brasil. E deveria ser o combate à corrupção. Mais que tudo. A decisão de Facchin baseia-se numa tecnicalidade discutível. A grana do triplex era da OAS, que tinha vários focos de atuação. Pode-se sustentar que veio da Petrobras, e a Vara certa seria a de Curitiba. Ou não haver certeza disso, e iria para Brasília (domicílio de Lula). Sabendo que o preço de uma decisão assim corresponderia à desmontagem de todo o trabalho de combate à corrupção no país, e jamais a decisão da Corte poderia ter sido a que foi. É desalentador.
Voltando à lenda romana, sabemos que a deusa Iustitia, por conta de crimes que passaram a ocorrer, foi obrigada a abandonar a terra. E se refugiou no céu, onde acabou sendo uma constelação – a de Virgem. O céu. Bom lugar para se estar, agora.
José Paulo Cavalcanti Filho – É advogado e um dos maiores conhecedores da obra de Fernando Pessoa. Integrou a Comissão da Verdade. Vive no Recife.
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