O urso e o dono do urso. Coluna Carlos Brickmann
O URSO E O DONO DO URSO
COLUNA CARLOS BRICKMANN
EDIÇÃO DOS JORNAIS DE QUARTA-FEIRA, 3 DE FEVEREIRO DE 2021
Imagine, caro leitor, que você esteja em casa, e de repente um urso abra a porta e entre na sala. Um urso amigável, fofinho, de seus, digamos, 400 kg. Onde é que você irá acomodar o urso?
A resposta é simples: onde o urso quiser.
O presidente Bolsonaro acaba de ganhar um urso. Acha que, pelo preço do bicho, é o dono dele. Mas talvez o urso, feliz por ter encontrado um lar tão agradável, se sinta o dono da casa. Pense no preço de alimentá-lo!
Bolsonaro teve uma grande vitória. Provou que a maioria do Congresso, do PT à direita não-bolsonarista, é conversável, sensível aos argumentos que um Governo tem condições de apresentar em grande volume. A folha corrida dos eleitos parece suficiente para barrar qualquer tentativa de impeachment; não parece provável que, dada a pródiga gentileza com que o presidente os recebeu, capaz de converter ferozes inimigos em prósperos amigos, deixem de lutar para evitar que o bem-estar da família presidencial seja perturbado.
O problema é que os ursos têm grande apetite. É preciso alimentá-los muito bem para que fiquem sossegados. Aquele urso bonzinho, lindo, fofo, perfumado, amigável, já sabe onde aquela família simpática vai buscar a boa alimentação a que está acostumado. Um urso faminto, irritado, pode ficar perigoso, criar problemas ao dono. E se, de repente, o urso achar que pode ser mais bem tratado pelos inimigos de sua atual família do que por ela?
Ao vencedor
Parabéns, presidente Bolsonaro, pela vitória na Câmara e no Senado.
Vasto mundo
Uns 300 anos antes de Cristo, o rei do Épiro, Pirro, derrotou os romanos em duas grandes batalhas, mas perdeu boa parte de seus soldados. E disse: “Mais uma vitória como esta, e estarei perdido”.
Cenário
Bolsonaro ganhou, se fortaleceu; Rodrigo Maia foi vencido e abandonado pelo DEM, seu partido, e se enfraqueceu; ACM Neto, provando que é mais Neto que ACM, viu seu DEM votar ao lado dos petistas da Bahia, seus maiores adversários. Se há quem queira se unir para enfrentar Bolsonaro em 2022, é bom se apresentar: os últimos que diziam pensar nisso cederam fácil. Como macarrão, só era preciso botá-los na panela para que amolecessem.
Bastidores
A situação ainda pode embaralhar-se, e não demora muito. Já houve briga na chapa vitoriosa no Senado, porque prometeram os mesmos cargos para MDB e PSD. Foi difícil de resolver. O pessoal do Centrão troca de religião, de partido, de time, mas não mexam nos cargos que a briga é feia. O Governo andou prometendo mais cargos do que tinha, mas isso tem conserto: basta aumentar o número de ministérios e secretarias. O maior problema é que o Centrão é insaciável, e mostra isso em seu passado político: quando quem depende de seu apoio é ameaçado, o Centrão o apoia, mas tem de haver novo acordo. E, sempre que consegue emplacar alguma reivindicação, parte do princípio de que não haverá resistência a novas exigências. Jogam bem, e pesado.
Pense numa situação possível: uma greve de caminhoneiros, passeatas em grandes cidades, campanha pelo impeachment. O Centrão tem parlamentares suficientes para barrar essas coisas, mas quem trabalha de graça é relógio.
Demagogia dá nisso
São Paulo, a cidade da qual é prefeito, sofre com as atividades restritas por causa da pandemia, e ele vai se aglomerar com torcedores no Maracanã, só para ver seu time apanhar. É duro ser pé-frio, prefeito Bruno Covas!
Esforço cívico em Brasília
O Senado passou ao regime de home-office em março de 2020, por causa da pandemia. De março para cá, teve três dias de “esforço concentrado”, com atividade semipresencial. Mas, apesar de tudo, pagou R$ 1,8 milhão a seus funcionários, por “horas extras”, entre abril e novembro. Deve haver algum motivo para tanta hora extra, motivos que pessoas pouco afeitas aos labores legislativos não têm como perceber. A propósito, “labores legislativos”? É: o Senado abriu licitação para trocar eletrodomésticos. Deve gastar R$ 630 mil na compra de 511 aparelhos, entre os quais máquinas de lavar, batedeira, fornos de microondas e forninhos elétricos. Tudo essencial para que Suas Excelências possam desempenhar, mesmo à distância, o trabalho legislativo.
Esforço cívico no país
O Hospital Amaral Carvalho, de Jaú, SP, uma referência nacional no tratamento de câncer, abriu dez vagas por mês para mulheres com câncer de mama atendidas por hospitais amazonenses. Com isso, dá às pacientes um tratamento de primeira linha num hospital de excelência, abre espaço para o atendimento de outros pacientes em Manaus. E é tudo inteiramente gratuito. Não há pacientes pagos no Hospital Amaral Carvalho: há verbas e serviços que o próprio hospital obtém da população de Jaú e o SUS, ponto final.
Querer elencar por ordem de gravidade todos os problemas brasileiros é bobagem: todos estão em primeiro lugar. Mas é de irritar essa PROMISCUIDADE entre executivo e legislativo, orgia para a qual o judiciário é convidado frequente.
E dizem para o povo o mesmo que Kajuru disse para Alcolumbre, a respeito da amizade abalada: “- Que se lixe!”
Parabéns, Carlos!
Sempre direto e firme.
Caro Brickman. O urso da primeira foto, conhecido como ‘Grizzly’ no Canadá, onde esse tipo abunda, tem comportamento um pouco diferente do que você imagina. Por isso, a foto dele ali é injusta. Ao contrário do nosso amistoso Urso-Centrão, que abunda no Brasil, e que só come a vítima depois de muito chantageá-la objetivando cargos, mamatas e negociatas com dinheiro público, o canadense come o que lhe passar pela frente, não fazendo a menor diferença se a vítima é pública ou privada, rica ou pobre, desejosa ou não de com ele estabelecer uma parceria frutífera. Ou seja, diante de um grizzly, meu chapa, não tem negociação. Ou você corre mais que ele, e – com todo respeito – duvido muito que consiga, ou é o fim da linha. Esse tipo de urso, apesar do tamanhão – é o maior que existe -, é incrivelmente ágil quando se trata de satisfazer seus instintos. E a operação é sempre muito estúpida, animalesca, totalmente incivilizada, nada negociável, cruenta. Como você pode notar, nada a ver com o nosso simpático urso-centrão, patrimônio da fauna nacional, repleta de ursos cordiais… O nosso negocia, o outro mata logo de cara; o nosso lhe dá um tempo pra pensar, considerar a encrenca por todos os ângulos, o outro trucida num piscar de olhos; o nosso cedo ou tarde fura o teto de gastos do Dr. Guedes, ameaçando comê-lo vivo, claro, mas fica nisso e tá tudo certo, enquanto o outro apenas come logo, sem frescuras nem cálculos difíceis de fazer; o nosso fabrica inflação que mata todo mundo aos poucos, o outro mata apenas um por vez e bem rápido. Conclusão: nossa tragédia é longa e coletiva, a canadense é imediata e individual. A maior diferença é que, se você quiser escapar do grizzly, basta ficar longe dele, o que não é difícil num país do tamanho do Canadá, mas escapar do urso-centrão, bem… Melhor aceitar logo que estamos todos cozinhando na panela desde já.