Cup e cuc, ou a ilusão socialista. Por Edmilson Siqueira
CUP E CUC, OU A ILUSÃO SOCIALISTA
EDMILSON SIQUEIRA
A ditadura cubana está tentando sair da armadilha que é o regime socialista na área da economia. Mas vai ser difícil. Explico: um regime que se baseia na violência para se sustentar e na mentira para sobreviver, encontrará muitas dificuldades se quiser adotar algumas premissas básicas do capitalismo para tentar produzir algum lucro dentro da deficiente máquina econômica imposta ao longo de décadas de repressão e de falta total de liberdade.
O desemprego, em qualquer regime comunista, é o primeiro sinal de que os rumos estão errados. Ao desapropriar empresas das mãos da iniciativa privada, o regime de esquerda herda um batalhão de funcionários. Ao retomar a produção, agora colocada nas mãos de camaradas que pouco entendem de gerenciar fábricas, o prejuízo começa a aparecer. O faturamento geralmente diminui muito, pois a lógica comunista retira a abstrata “mais valia” (uma invenção de Marx que nunca existiu) e coloca os preços finais em patamares bem inferiores em relação aos que o “explorador capitalista” mantinha. Só que matéria prima tem preço, principalmente se for importada. Aí a conta não fecha, mesmo porque, a massa de desempregados que havia antes da “revolução” é toda empregada para mostrar ao mundo que ali não há desemprego. O desemprego pode até desaparecer, mas o excesso de contingente em cada planta grita aos olhos. E a massa come o salário que, em doses inflacionadas, come qualquer possibilidade de lucro.
O círculo vicioso se aperta com o Estado inchado também, afinal, todos os “companheiros” ganham “boquinhas” para “manter viva a revolução”, como cansamos de ouvir em discursos cubanos mesmo depois de 20, 30 anos de uma “revolução” que empobreceu visivelmente o país. Cuba, aliás, não enfrentou muitos problemas econômicos nas primeiras décadas porque a URSS a manteve, como um filho rebelde que não trabalha, com uma “mesada”, dizem por aí, de cerca de um milhão de dólares por dia e com a compra de açúcar superfaturado.
A fome que grassou por lá após o fim da cortina de ferro, poderia ser menor, caso o país, que é uma ilha, tivesse uma prosaica indústria da pesca, como ocorre em toda ilha. Mas nem isso o comunismo permitiu, já que milhares (ou talvez alguns milhões dos 12 milhões que por lá vivem) de cubanos sempre quiseram fugir daquele inferno e um barquinho pesqueiro chegaria fácil às costas norte-americanas, atravessando os pouco mais de 150 quilômetros que separam os dois países pelo mar.
Para tentar remendar uma situação que remendo não tem, Cuba tem duas moedas há 26 anos. Não há outro país no mundo com tal prática, diga-se. Uma, chamada cup, é a que representa o estado de coisas por lá. Você precisa de 24 unidades dela (no câmbio oficial) para comprar um dólar. A outra, denominada cuc, vale, artificialmente, um dólar. A moeda de um país é o retrato da economia desse país. Para ter valor, grosso modo, as moedas precisam ter lastro. Esse lastro pode ser uma grande reserva em ouro ou a produção do país, que abastece a população e ainda sobra para exportações.
Ora, duas moedas com valores diferentes representam o quê num mesmo país? Nada! E como só pioravam uma situação que já é ruim faz tempo, foi feito o anúncio de que, em primeiro de janeiro de 2021, a moeda artificial vai desaparecer e sobrará só aquela que precisa de 24 unidades para comprar um dólar. Um câmbio fixo? Difícil dar certo também. Mas vamos lá.
A jabuticaba cubana até que durou muito. Há cerca de 7 anos já estavam prevendo seu fim, mas como não há pressão popular por lá – a repressão da ditadura não deixa o povo cubano protestar – o governo foi empurrando com a barriga, ciente de que nada pode demovê-lo do poder. Em 62 anos de ditadura (a completar neste fim de ano), o atual ditador é o terceiro de lá. O primeiro decidiu sair pouco antes de morrer e passou o poder ao irmão. Esse, acho que preferiu continuar nas sombras, como sempre fez, e passou o poder para outro general ou algo parecido. E para provar que prefere a sombra, o ex-ditador estava ao lado do atual na televisão, quando foi anunciada a mudança da moeda.
E agora?
A mudança vai ser gradual por uns seis meses, segundo a ditadura cubana e até lá, vai dar para perceber o prejuízo que as duas moedas causaram, que é um prejuízo normal quando não há nenhuma liberdade econômica e o Estado manda totalmente na economia. Aliás, enquanto a liberdade não começar a vigorar por lá, as mudanças econômicas continuarão sendo paliativas, que manterão a fome e a vontade de comer entre a população cubana.
Mesmo porque, informam os jornais, “o governo advertiu que deseja eliminar a maioria dos subsídios, que representam um apoio fundamental para as empresas estatais e também para os habitantes da ilha. Eventualmente, o cartão de racionamento também vai acabar e apenas algumas subvenções devem ser mantidas.
As empresas estatais, que representam 85% da economia e que até agora foram beneficiadas por uma taxa de câmbio de um cup por um dólar, registrarão aumento dos custos de produção e, portanto, de seus preços. Mas também terão mais incentivos para exportar, o que não acontece atualmente com a taxa de um cup por cada dólar recebido.”
Como se vê, para dar minimamente certo, a indústria cubana precisa exportar bastante. Uma indústria que viveu seis décadas com subsídios, sem metas de produção, sem concorrência, fabricando basicamente açúcar e charuto, e outros produtos agrícolas, além de uma incipiente pecuária, dificilmente encontrará campo fértil no exterior para vender seus produtos. Sobra o turismo, que traz dólares, mas até esse ficou arisco com a pandemia e ainda demorará um pouco para retomar o ritmo anterior.
Portanto, o modo socialista de governar, nos dá mais uma prova de sua ineficiência. Tanto assim é que para tentar sair da letargia e tentar desenvolver um pouco o país, o governo recorre a alguns detalhes da economia capitalista. Mas, enquanto perdurar a ditadura, a falta de liberdade, o regime opressor, a ausência de eleições honestas, Cuba continuará a ilha mais atrasada do mundo, vivendo da ilusão de um regime que prega, na teoria, exatamente o oposto do que pratica.
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Edmilson Siqueira– é jornalista
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