Ícones que se foram. Por Charles Mady
ÍCONES QUE SE FORAM
CHARLES MADY
Perdemos Joseph Safra. A coletividade judaica, e a sociedade brasileira estão órfãs de um patriarca que marcou a história de nosso país. Sua liderança e capacidade de produzir e construir fizeram escola em todos os setores que atuou. Pessoa admirada, e respeitada também pelo perfil pessoal, avesso sempre às grandes mídias e celebrações.
Esse sefaradim “halabi”, de Alepo e Beirute, mais semita que a maioria dos semitas, era incrivelmente ligado às suas tradições e origens, tendo honrado sua cultura de forma ímpar. Conheci José quando morava na rua Bahia, no Higienópolis, e recebia pequeno grupo de médicos, com os quais se aconselhava. Seu apartamento era retrato de sua paixão pela arte, e por sua religião. Encontrava-nos com alguma frequência, também na casa de amigos comuns. Certa vez, necessitando de fundos para construírem laboratório de pesquisa para o estudo de doenças que afetam o miocárdio, músculo do coração, solicitamos doações à sociedade. Fomos recebidos por José em sua sala na avenida Paulista, juntamente com José Roberto Marcellino e Idelfonso Petrini, seus assessores. Fomos recebidos várias vezes, e José contribuiu com boa parcela de nossa dívida.
E não foi apenas nessa ocasião que generosamente contribuiu, pois durante as atividades científicas, novas dívidas surgiram, e ele sempre se mostrou presente. Em outra visita, almoçamos no restaurante na cobertura do edifício sede do banco. Foi quando me mostrou a lista de doações que realizava periodicamente. Fiquei profundamente impressionado. Soube ter, e soube dar. Sabia que só ter não o tornaria a figura ímpar e reconhecida que foi. Fará muita falta, pois poucos são assim.
Com perfil semelhante, tivemos Lázaro de Melo Brandão. Foi também muito importante para nós, como benemérito, e amigo, tal e qual José.
Recebia-nos com frequência na Cidade de Deus, sempre atendendo a nossos pedidos. Além das doações, se propôs a construir um edifício, para servir de um centro diagnóstico para o Incor, com verba de seu banco, com grande entusiasmo. Este sentimento se esvaiu, quando soube de atividades destrutivas por parte de certos núcleos de poder, que tinham outros interesses que não os institucionais. O Incor, e a Faculdade de Medicina, perderam muito com esse desserviço elaborado por uma ala destrutiva de nosso sistema , dominante na ocasião. Ficou desgostoso, e desiludido, mantendo apenas a colaboração com nosso laboratório. Foi nosso amigo muito antes de presidir o banco, e ficou conosco até o fim.
Comento sempre que as maiores riquezas de nosso país são seus recursos humanos. Gente da estirpe de José e Brandão é que mantêm este país em pé. Lembro-me de um jantar na casa de um amigo comum, quando sentei-me entre os dois. Colocaram as mãos sobre os bolsos das carteiras, dizendo que estavam na companhia de um grande assaltante de bancos. O riso foi geral.
Hoje, esse laboratório de pesquisa continua produzindo ciência, educando, e formando alunos de pós graduação. Dizem que ninguém é insubstituível, mas alguns permanecem em nossas mentes para sempre. Saudade e gratidão.
Eles nos ajudaram a construir.
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– Charles Mady, professor associado do Instituto do Coração (Incor) e da Faculdade de Medicina da USP
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