voto negativo

O voto negativo. Por Manoel Gonçalves Ferreira Filho

… Pelo ostracismo, o eleitorado ateniense podia excluir da política por dez anos um cidadão que considerasse inconveniente para a democracia. Para tanto, o corpo de cidadãos era convocado para cada ano votar ou não o exílio de quem lhe parecesse prejudicial ao bom andamento da democracia (uma espécie de prévia – dir-se-ia hoje)…

voto negativo

Na democracia moderna, o cidadão exprime sua escolha nas eleições pelo voto. Pelo voto positivo, ou seja, voto em favor de um candidato que será eleito no pleito se este se fizer pelo sistema simples que é o majoritário. Claramente, neste caso, está ele manifestando a sua vontade, a sua preferência.

O seu voto, entretanto, estará perdido e não terá valor algum, nessa eleição majoritária, se houver sido dado a quem não for eleito. E a soma dos votos perdidos poderá ser a maioria. Consequentemente, o eventual eleito será escolhido por uma minoria, ocorrendo então a situação paradoxal que no governo democrático quem participe da governança seja alguém repelido pela maioria dos cidadãos.

Para evitar-se esta situação, há sistemas eleitorais que exigem para a eleição de um candidato que ele obtenha a maioria absoluta dos votos. Para que isto ocorra, se não se der num primeiro turno de votação, renova-se o pleito quantas vezes isso for necessário para que a maioria absoluta seja alcançada, o que é custoso e demorado. Ou, mais simplesmente, prevê-se um segundo turno de votação em que somente podem concorrer os mais votados no turno inicial.

É este exatamente o sistema que se adota no Brasil para a eleição do Presidente da República, segundo prescreve o art. 77 da Constituição.

Segundo este, com efeito, se no primeiro turno nenhum candidato houver obtido a maioria absoluta, realizar-se-á um segundo, somente concorrendo os dois mais votados no primeiro, elegendo-se então o que obtiver a maioria absoluta, não computados os votos em branco e os nulos (art. 77, § 2º). Claro está, pois, que essa maioria no segundo turno é eventualmente fictícia, pois evidentemente os votos em branco ou nulos não são votos para o candidato, mas são contra o candidato.

Justificam os doutos tal sistema com a alegação de que, no segundo turno, o eleitor há de escolher entre dois males o mal menor. Entretanto, o mal menor não poderá ser de fato um mal desastroso? Tanto quanto o mal maior?

Será isto condizente com a democracia?

Pode-se dizer que não, pois o artifício não impede que um candidato seja eleito contra a vontade da maioria. E propicia o evento catastrófico de que a escolha seja entre dois maus candidatos, cada um deles repelido pela maioria do eleitorado.

Ademais, neste quadro naturalmente resulta uma falta de consenso, propícia à radicalização. Esta é sempre nociva, que sempre irá contaminar o exercício da presidência por parte do eleito, prejudicando o bom andamento dos negócios públicos. Pior, no caso da eleição presidencial brasileira, de imediato leva à procura da derrubada do eleito pelo caminho penoso, tortuoso, conflituoso do impeachment. É o que sempre sucede quanto o eleito tem contra si alta percentagem de votos contrários à sua escolha, somados aos votos contra os em branco e nulos.

Não parece haver solução para isto.

Entretanto, nos primórdios da democracia, em Atenas, houve um instrumento que impedia que candidatos repelidos por larga fração dos cidadãos se elegesse e mesmo sequer participasse do pleito. Tal instituto era o ostracismo.[1]

Aristides - ostracismo - Grécia - voto negativo
Aristides

Pelo ostracismo, o eleitorado ateniense podia excluir da política por dez anos um cidadão que considerasse inconveniente para a democracia. Para tanto, o corpo de cidadãos era convocado para cada ano votar ou não o exílio de quem lhe parecesse prejudicial ao bom andamento da democracia (uma espécie de prévia – dir-se-ia hoje). Tal deliberação não era motivada, não era objeto de acusação nem de defesa. Ela exigia para determinar o exílio, não a maioria dos votos, mas uma percentagem que equivaleria a cerca de 25% do total de cidadãos (menos, portanto, que o critério de repúdio segundo as pesquisas eleitorais modernas).

A lembrança desse instituto que colheu Aristides, homem probo e qualificado que chegou a ocupar a função de estratego e recebeu da história o cognome de “o justo”, provoca um pensamento anacrônico. Seria isto uma forma de proteger a democracia? Certamente o exílio seria drástico demais, mas seria o ostracismo mau para a purificação do processo político e o estabelecimento da aceitação geral indispensável para o respeito ao poder e, portanto, para boa governança? Não é o risco de a eleição ser vencida por candidato inaceitável à maioria absoluta do eleitorado, embora tendo o apoio de uma maioria entre os candidatos, uma assombração dá pesadelos aos democratas e que ameaça o futuro?

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[1] Cf. Jean Gaudemet, Institutions de l’Antiquité, Ed. Soufflot, Paris, 1967, nº 118, p. 166.

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Manoel Gonçalves Ferreira Filho –  Professor Emérito de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

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