PANDEMIA, A DESCULPA ESFARRAPADA

EDMILSON SIQUEIRA

Será que o ministro general nem desconfiou que a vacina contra a covid 19 é o produto mais desejado do mundo? Será que ele pensa que os governantes dos grandes países – e muitos deles muito mais ricos que o Brasil – não estavam garantindo, há meses, suas encomendas junto ao fabricante? Será que ele pensa que todo mundo é igual ao seu patrão que desdenha a vacina e, criminosamente, incentiva o povo a não tomar?…

Se, de repente, o mundo inteiro precisa de um produto e esse produto é fabricado por poucas empresas, a melhor estratégia de um país é correr nos produtores e garantir, pagando adiantado até, uma quantidade suficiente para as necessidades do seu país. Isso é o básico de qualquer planejamento e, acho, deve ser a primeira lição de um curso de logística.

Pois o ministro da Saúde do Brasil, general Eduardo Pazuello, foi guindado ao cargo como um expert em logística, depois de comandar missões e batalhões por aí.

Só que, ao que parece, sua expertise não funciona muito bem quando se trata de cuidar de civis dentro de um ministério de governo. Pois não é que, hoje, quinta-feira, ele reclamou da Pfizer, fabricante de vacina contra o novo coronavírus, pelo fato de a empresa só lhe oferecer 500 mil doses do imunizante em janeiro, 500 mil doses em fevereiro e um milhão de doses em março?

Será que o ministro general nem desconfiou que a vacina contra a covid 19 é o produto mais desejado do mundo? Será que ele pensa que os governantes dos grandes países – e muitos deles muito mais ricos que o Brasil – não estavam garantindo, há meses, suas encomendas junto ao fabricante? Será que ele pensa que todo mundo é igual ao seu patrão que desdenha a vacina e, criminosamente, incentiva o povo a não tomar? Será que ele pensou que, seguindo cegamente o chefe do rebanho, a grande maioria dos brasileiros não querem tomar a vacina? Será que esse ministro tem cérebro?

Ora, agora, ao receber a resposta da Pfizer sobre os pedidos de compra para o Brasil, ele saiu por aí criticando a empresa, como se a culpa não fosse totalmente dele e do seu chefe. Será que ele não percebeu que vários países já iniciaram até a vacinação e, para tanto, compraram essas vacinas com meses de antecedência?

O fato é que, no enfrentamento da covid 19, que já matou mais de 180 mil brasileiros e infectou mais de 6 milhões, continuamos à deriva, quer por declarações insanas, desastrosas infantis e criminosas do presidente da República, quer pela inércia de um incompetente ministro da Saúde, que não tem a mínima noção do que é estar à frente de um ministério em um período de crise sanitária, com uma doença matando cerca de mil brasileiro por dia.

Enquanto os brasileiros pedem desesperadamente que o país viabilize a compra de uma vacina para que sua distribuição comece o mais rápido possível, o que vemos em nossas autoridades através uma disputa política totalmente descabida para o momento, é um total descaso para com a vida dos cidadãos.

Um urgente plano de vacinação nacional, que já deveria ter sido confeccionado há meses, ainda não tem sua formatação concluída, não há previsão de distribuição segura, não há data para que cheguem lotes consideráveis do imunizante por aqui.

Não dá pra imaginar que tanta incúria e tanto desprezo pela vida humana sejam só fruto da ignorância dos que têm de cuidar da saúde dos brasileiros. Não é possível que estejamos sujeitos a morrer ou passar péssimos momentos numa UTI entubados, porque o presidente da República, o ministro da Saúde e seus milicos no ministério sejam desprovidos de um mínimo de inteligência.

Pois desconfio que o que está acontecendo no Brasil é muito pior. Estamos nesse estágio de terror em relação à pandemia, acho eu, de caso pensado. É isso mesmo que esses “dirigentes” querem, pois assim continuarão governando no caos, administrando um grande cemitério chamado Brasil, enquanto tentam se perpetuar no poder e nadar no erário de onde surrupiam fortunas.

Afinal, a pandemia pode ser a grande desculpa que precisam para o total descumprimento das promessas de campanha, para a total guinada a favor da corrupção, para a total incompetência de governar.

Não é possível que seja de outro modo. Pois foi necessário que um governador, também fissurado por um palanque que lhe melhore o futuro político, anunciasse que iria produzir as vacinas necessárias e que já tinha um plano de vacinação de seu estado, para que o governo federal se movesse tentando demonstrar um trabalho que ele nunca havia feito. O plano nacional caminhava lentamente, com técnicos sérios em sua elaboração, mas não havia exigência nenhuma de que o plano ficasse pronto em determinada data, apesar da urgência.

Quando João Dória saltou à frente, as garras de Bolsonaro saltaram e ele obrigou seu general subalterno a correr atrás do prejuízo político que tal fato lhe causava. O resultado foi a apresentação, às pressas, do plano que técnicos ainda estavam elaborando, mas que estava longe de ser concluído.

E a falta de ética desse governo é tão grande que o plano foi apresentado inacabado e incompleto como se desses profissionais fosse. Não era e, ato contínuo, eles foram à imprensa denunciar a falsidade ideológica à qual o governo respondeu com evasivos e inconsistentes argumentos.

Estava ali configurado o desdém pela vida do brasileiro. Desdém que não é, repito, resultado apenas da ignorância e incompetência dos atuais governantes brasileiros. Temo que seja de caso pensado para se criar o caos e, de algum modo, dele emergir um salvador da pátria com medidas popularescas e populistas.

Afinal, o que seria a morte de alguns milhões de brasileiros diante da perspectiva de se manter no poder por mais quatro anos?

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Edmilson Siqueira– é jornalista

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