A solidariedade existe. Blog do Mário Marinho
A SOLIDARIEDADE EXISTE
BLOG DO MÁRIO MARINHO
Há pouco tempo recebi uma mensagem de uma pessoa que se dizia decepcionada com a raça humana.
– Prefiro os cães, disse. Os cães são mais fiéis, solidários.
Eu não concordei, claro. Sou sempre um esperançoso otimista que acredita piamente que a maioria das pessoas são boas, bem-intencionadas e solidárias.
Nesse último domingo, 29-11-2020, fui alvo da solidariedade humana.
Saí para votar por volta das 10 horas da manhã. Eu e a minha caríssima metade, a Vera Marinho, a quem chamo de Sofia, companheira de um insistente, duradouro e inacabável casamento de 51 anos.
A seção em que fomos votar é um Grupo escolar perto de nossa casa, no Jaguaré.
Consegui vaga de carro pertinho do portão de entrada.
Parei o carro, desci e dei a volta para abrir a porta para ela.
A Sofia desceu e ficou parada frente à porta do carro, remexendo sua bolsinha. Está procurando o título, pensei.
De repente, a Sofia desaba sobre mim que, pego de surpresa, tentei segurá-la, sentindo também que iria cair.
Aconteceu tudo com uma rapidez incrível.
Senti o impacto forte de minha cabeça contra a guia, que lá em Minas chamamos de meio-fio. Ouvi um barulho assustador, como um coco caindo de boa altura no cimento.
Pensei: me ferrei.
Não sei se cheguei a perder a consciência. Acho que não. Ou se perdi, foi por um nanossegundo, onde um segundo é dividido em um bilhão de infinitésimas partes. Ouvia, como se vindo de longe, vozes que pediam ajuda para o casal caído.
Raciocinei, também em tamanha velocidade, à procura da real dimensão dos estragos. Vou tentar mexer com a perna, decido. Faça o movimento e, bingo! consigo. Então, aliviado, constato que não estou tão ferrado.
Ouço pessoas falando, pedindo ajuda para tirar o corpo da Vera que estava sobre o meu. Outras mãos me ajudam a levantar.
– Você está bem? Está bem? – Diversas vozes querem saber.
Olho para a Sofia e assusto: ela está sentada na calçada (chamamos de passeio), mas com a cabeça pendente para o lado.
Desço meu olhar e constato: está respirando! Ufa!
Seu rosto está branco, lívido. Ela abre os olhos e, claro, não está entendendo nada do que acontece.
Algumas pessoas ajudam a coloca-la de pé, encostada num carro, ao meu lado.
– E aí, pergunto?
Ela olha para mim e, ao invés de responder, desmaia novamente. Vai ao chão, mas, desta vez, consigo ampará-la.
– É melhor chamar o SAMU, sugere alguém que está ali prestando solidariedade.
Outro já grita para os dois soldados da PM que estão no portão do Grupo, pedindo-lhes que venham socorrer.
A Sofia já está novamente de pé e seu corpo já tem alguma cor.
– Eu vou levá-la ao hospital.
– Mas o senhor está machucado! – alguém me adverte.
Só então passo a mão na testa, de onde vinha pequena e insistente dor, e vejo que está sangrando.
– Tudo bem, tudo bem. Por favor, me ajudem a colocá-la no carro.
Alguns me perguntam se eu tenho certeza, enquanto outros já vão ajudando a Sofia a entrar no carro, se acomodar e colocar o cinto de segurança.
Agradeço a todo mundo, entro no carro e toco para o hospital São Camilo, nosso velho conhecido, que fica mais ou menos a uns 10 quilômetros de distância.
Andei uns 500 metros e vi que não ida dar certo: estava nervoso demais. A Sofia, acho, compreende a situação e sugere também chamar o SAMU. Então, lembro-me de um detalhe: quem chega no pronto atendimento do hospital de ambulância, é encaminhado rapidamente para a Emergência e já começa a ser atendido. Caso contrário, terá que enfrentar a burocracia de abrir ficha e passar pela triagem.
Entrei na rua onde moro e parei o carro perto da portaria do prédio.
– Vou chamar o SAMU.
A Sofia desce do carro e senta-se na calçada, onde havia sombra e estava mais fresco. Ocorre-me uma dúvida.
– Qual é o número do SAMU?
– 190? Pergunta a Sofia.
– Esse é da polícia, respondo já discando o 192.
Do ouro lado vem a voz metálica da telefonista:
– Esse número não existe ou se encontra fora de área.
– Como? Espanto-me conferindo que o número discado foi mesmo o 192.
Enquanto estou olhando para o telefone, vem passando uma senhora falando ao celular. Ela para ao nosso lado e pergunta.
– Vocês estão precisando de ajuda?
– Sim, estamos. Não estou conseguindo falar com o SAMU.
Ela se despede da pessoa com quem está falando, disca o mesmo 192 que atende e ela me passa o aparelho.
Numa rápida e objetiva entrevista, explico a queda da Sofia, sua condição de cardíaca e hipertensa. Asseguro que ela está respirando e a atendente me diz que o socorro já está a caminho.
A senhora que me atendeu pergunta se está tudo bem e se ela pode ir embora. Pode sim, claro. Agradeço de coração a ajuda, a solidariedade.
Ficamos nós dois ali, à espera. Passa-se um minutinho. Um casal do outro lado da rua pergunta o que está acontecendo e atravessa rapidamente a rua vindo ao nosso encontro.
São o Douglas e a Olani, nossos vizinhos, que vêm ao nosso socorro.
Enquanto eu relato o acontecido, Douglas, que é professor de Educação Física, nota a palidez da Sofia e começa friccionar o seu pulso numa tentativa de melhorar a circulação. A Olani vai rapidamente para a casa dela e volta com água fresca e um algodão para eu limpar o ferimento da cabeça.
Ficam ali ao nosso lado, solidários.
O SAMU demora cerca de 40 minutos. A presença dos dois amigos nos acalma.
Até que chega o socorro.
Cinco minutos depois, já estamos partindo de ambulância. Chegamos tranquilamente ao hospital São Camilo da Pompéia.
Foi ali que, há um ano, no dia 7 de setembro, um domingo, eu entrei com a Sofia e ela foi encaminhada para a UTI com problemas no coração.
Saiu um mês depois, após a implantação de três stents, um infarto, uma parada cardíaca, implantação de balão ótico e uma trombose na perna direita. Tudo junto. Junto, misturado e bagunçando tudo.
Nesse domingo, ao ver a ficha dela, a médica de emergência avisa: vai ficar internada.
Hoje é quarta-feira. A Sofia está bem e passando por exames. Os médicos querem descobrir a causa da síncope. Descobrindo ou não, agora está tudo bem.
Como se agradece tanta solidariedade? Acho que, talvez, sendo também solidário.
Quanto a mim, fiz uma tomografia da cabeça. Eu achava que não precisava fazer nada, pois, já havia se passado três horas do acontecido e eu não apresentei nenhum sintoma diferente.
O consciente médico que me atendeu não concordou.
– Pancada na cabeça é caso muito sério. O cérebro pode sofrer uma chacoalhada e apresentar consequências. Mesmo se a cabeça for dura.
Fiz a tomografia e uma hora depois o médico me apresenta o resultado:
– Está tudo bem, tudo tranquilo.
Eu sabia: tenho a cabeça dura mesmo…
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Mário Marinho – É jornalista. É mineiro. Especializado em jornalismo esportivo, foi durante muitos anos Editor de Esportes do Jornal da Tarde. Entre outros locais, Marinho trabalhou também no Estadão, em revistas da Editora Abril, nas rádios e TVs Gazeta e Record, na TV Bandeirantes, na TV Cultura, além de participação em inúmeros livros e revistas do setor esportivo.
(DUAS VEZES POR SEMANA E SEMPRE QUE TIVER MAIS
NOVIDADE OU COISA BOA DE COMENTAR)
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A amizade é um sentimento que surge no nosso íntimo sem explicação. Amigos sempre!
GRAÇAS A DEUS DEU TUDO CERTO!!!!!!!!
Poxa, presidente, isso me emocionou bastante! E estou rezando por vocês. Que a Sofia se restabeleça o mais rápido possível!