Orgulhosamente sós. Coluna Carlos Brickmann
ORGULHOSAMENTE SÓS
COLUNA CARLOS BRICKMANN
EDIÇÃO DOS JORNAIS DE QUARTA-FEIRA, 18 DE NOVEMBRO DE 2020
Enquanto o Reino Unido, o Império Onde o Sol Nunca se Punha, libertava as colônias, enquanto a França deixava a Argélia, enquanto a Bélgica desistia da selvagem colonização do Congo, enquanto a Europa enriquecia, Portugal, dirigido por Salazar, uma espécie de Bolsonaro que deu certo, lutava em Angola e Moçambique para manter as colônias. Morria gente aos milhares (mas todos um dia morreremos, tá OK?), nenhum dos tradicionais aliados de Portugal lhe dava apoio, e Salazar proclamava: “Orgulhosamente sós”.
Quando os portugueses conquistaram a democracia, as colônias se tornaram países independentes e parou de morrer gente em guerras colonialistas, Portugal retomou suas alianças e enriqueceu. “Sós” – para que?
O Brasil, hoje, está orgulhosamente só. Biden, futuro presidente dos EUA, quer o Acordo do Clima, a preservação da Amazônia. Trump, que luta para ficar, não quer isso. Mas também não fez concessão alguma ao Brasil.
Os EUA são o nosso segundo maior parceiro comercial. A China, a primeira, acaba de se associar a 14 países asiáticos, entre eles Coreia e Japão, no maior acordo de livre comércio do mundo. Juntou-se um terço da população e da economia internacional, com redução de tarifas de 92% dos produtos que negociam. O Brasil não consegue implementar o acordo União Europeia – Mercosul, em boa parte por rejeitar a proteção ao meio-ambiente.
E por insultar não só os países europeus, mas até a esposa de um presidente.
Belicosamente sós
O Brasil não se limita a ficar “orgulhosamente só”. No Mercosul, é clara a hostilidade de Brasília ao Governo argentino, a segunda nação do bloco, a quarta parceira comercial do Brasil. Dos dez maiores parceiros brasileiros, além de China (que vem sendo seguidamente atacada por nosso Governo) e EUA, há Holanda, Espanha, Alemanha, todos defensores do Acordo de Paris contra a poluição. Há a Argentina, que é considerada “comunista”. Difícil.
A hora do Itamaraty
Mas o Pacto Asiático (nome oficial, RCEP, ou Regional Comprehensive Economic Partnership) é problemática: dos três mamutes em cena, RCEP, EUA e União Europeia, o Brasil está longe dos três. Seria uma boa oportunidade para a diplomacia brasileira procurar as vantagens possíveis nessa divisão. Mas o Itamaraty se aparelhou para servir de apoio à política externa americana – essa de Trump, anti-China, que está a pique de mudar.
Hostilizando chineses
A coluna A Voz do Povo, de Aziz Ahmed, transcreve relato do jornalista Bruno Thys: “O coronel da reserva Jorge Luis Kormann, indicado por Bolsonaro para a Anvisa, é dos bons. Nas redes sociais esculhambou a vacina Coronavac, a OMS, chama o Doria de ‘China boy’, curte os posts de Olavo de Carvalho e de Abraham Weintraub, ex-ministro da Educação. Excelente currículo. Esse vai longe”. Não é um modo interessante de lidar com o maior parceiro comercial do país?
Lembrando: o coronel conhece vacina pela marca no braço, e opina sobre uma vacina que ainda não foi lançada.
Um bom exemplo
Apenas para dar uma ideia do que são esses mamutes econômicos, olhe seu celular: os EUA desenham o Apple, em grande parte fabricado na China, e criam os softwares que China, Coreia e Japão utilizam; a Samsung faz os projetos de seus celulares na Coreia e usa a China e outros países da Ásia como plataforma de produção; a China produz celulares. A empresa mais avançada em 5G é a Huawei chinesa. Há a Ericsson, sueca, a Nokia, finlandesa (empresas de ótima reputação, mas bem menores) e a Qualcomm americana, conceituada, mas que, no caso do 5G, está longe das líderes. Não vamos ficar sem celulares, mas tecnologia e produção estão nos blocos.
Fala, Bolsonaro
O presidente Bolsonaro, na reunião dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), prometeu divulgar “nos próximos dias” uma lista de países que importam ilegalmente madeiras amazônicas, oriundas do desmatamento fora das normas. Ótimo: chega de ver o comprador acusar o vendedor, como se não tivesse responsabilidade alguma. Mas este colunista tem uma dúvida: se alguém quiser exportar chicabon, terá de cumprir inúmeras formalidades. Como exportar madeira ilegal, muito mais visível, que ocupa mais espaço?
Explicando
Um empresário com negócios na Amazônia explica: há muito tempo, na década de 90, quis exportar madeira de acordo com a lei. “Era tão complicado conseguir a documentação que desisti. O custo da burocracia não compensava, para minha escala de produção.” Alguns anos depois, conta o empresário, soube de compra e venda de guias. Houve gente que enriqueceu.
Voto na urna
É cedo, demasiado cedo, para analisar o resultado das eleições. Tudo muito chato: ah, o partido tinha cem cidades, hoje tem 50… E se uma delas é uma metrópole?
Bom dia, Carlos Brickmann.