Para lembrar uma velha carta. Por Meraldo Zisman
Escrever é esquecer. A literatura é a maneira mais agradável de ignorar a vida.
Vive-se hoje no Brasil — e no resto do mundo — uma situação crítica de exacerbação da violência e das polarizações.
Culpa-se a recessão mundial, a decadência dos valores sociais, a concentração de riquezas, o desemprego, a ciranda financeira, a fome, a miséria e outros fatores desagregadores, tantos que seria impossível priorizá-los na gênese dessa explosão de incertezas, exacerbada agora com a tal da pandemia informatizada. As tentativas de explicar tais ondas de violência através das ciências ou saberes, oficiais ou não, mostram-se bastante canhestras. Permanecem sempre os aspectos culturais da problemática.
Em data próxima à eclosão da Segunda Guerra Mundial, Einstein escreveu para Freud perguntando o seguinte: “Existe alguma forma de livrar a humanidade da ameaça de guerra? Como pode a guerra despertar um tamanho entusiasmo nos homens, a ponto de sacrificarem o maior de seus bens: A própria vida?”
Para o grande físico e matemático, só um desejo adormecido de ódio e de destruição que de repente acorda poderia ser a resposta adequada.
E conclui a carta dizendo: “Na sua obra existem certamente respostas para essas questões. Gostaria de saber a vossa opinião à luz das modernas descobertas da mente humana”.
Na extinta Liga das Nações, havia o Instituto Internacional de Cooperação Intelectual, órgão pertencente ao comitê permanente de Literatura e de Arte daquela Instituição, de onde Einstein escreveu a carta a Freud.
Sigmund Freud respondeu à missiva com o texto ‘Por que a guerra?’ (Warum Krieg?), publicado em Paris no original alemão e nas traduções para o inglês e o francês, pelo citado Instituto, no mês de março de 1933.
O conteúdo do texto era bastante pessimista e o próprio autor o considerou enfadonho e estéril. Dizia nele:
“A nossa cultura atual procura valorizar demasiadamente nossas qualidades através da moralidade de nossos comportamentos. Ela não pode prescindir da motivação gerada por nosso egoísmo inato. É isso que conta. O que permanece é uma grande hipocrisia social. A cultura jamais conseguirá extirpar as tendências perversas dos seres humanos. Essas tendências são inatas aos seres humanos. É seu destino biológico. Acredito que hoje já atingimos um ponto de conhecimento em que o homem deva se voltar para os filósofos gregos.”
Enquanto Freud via o poder como sinônimo de violência, os aristotélicos tendiam a acreditar na harmonia e tudo que estimula o crescimento da cultura. A harmonia e a cultura trabalhariam assim simultaneamente para o enfraquecimento do grande vilão: A violência.
A guerra, expressão máxima da violência, é uma contingência, fruto de um momento histórico e não uma lei imutável. E a pergunta do grande físico continua sem resposta, esquecida.
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