O INSS, a vida e o futebol. Blog do Mário Marinho
O INSS, A VIDA E O FUTEBOL
BLOG DO MÁRIO MARINHO
Nunca foi fácil a vida de quem depende do INSS.
Nem agora, nem em tempos anteriores à Pandemia.
Era o ano de 1972.
Fui diagnosticado por um médico do Estadão com úlcera no piloro e no duodeno. Fui colocado em 15 dias de licença médica e orientado para buscar o INSS pois precisaria de mais tempo para tratamento.
Procurei o INSS e, 30 dias depois, estava frente ao médico com a chapa do estômago e recebi o comunicado que estava em licença de três meses.
O INSS tinha um departamento para atender especialmente os casos de úlcera. Ficava na rua Conselheiro Crispiniano, perto do Mappin.
Fui encaminhado para lá.
Era um trabalho bem legal e sério desenvolvido por especialistas do INSS.
As consultas eram agendadas e não havia filas de espera.
Compareci no dia e hora agendados.
Tomei conhecimento do programa.
– Nós, os pacientes, seríamos divididos em grupos que compareceriam uma vez por semana naquele consultório.
– Receberíamos medicação gratuita. Eu, por exemplo, de acordo com o meu regime iria gastar cerca de 10 comprimidos de Pepsmar por dia. Tratava-se de um antiácido, uma pastilha que eu deveria deixar dissolver na boca a cada duas horas. O Pepsmar seria fornecido
– No intervalo dos comprimidos, também a cada duas horas, deveria tomar um copo de leite (hoje considerado um veneno para os casos de úlcera). O programa forneceria leite em pó.
– Para aqueles sem condição financeira, seria fornecido vale transporte para comparecer às reuniões semanais.
– Em todas as reuniões, para consultas ou atividades, seria fornecido lanche para que ninguém ficasse com estômago vazio.
– Era oferecido também serviço de assistência odontológica para aqueles que tivessem problemas de mastigação, inclusive com a possibilidade de dentadura.
– Palestras.
Enfim, o programa previa atividades para não deixar ocioso quem estava acostumado a trabalhar. A ociosidade também causa stress – talvez a principal causa da úlcera.
Quando recebi meu primeiro salário do INSS, constatei que ele era metade do meu salário do Jornal da Tarde.
Iria ter problemas financeiros.
Procurei o Jornal, expus a situação ao Murilo Felisberto, que era o redator chefe, e perguntei se eu não poderia fazer alguns free lancers, trabalhando em casa. Com se vê, o home office não é assim tão novo.
Não, não podia, pois estava de licença. Mas ele iria estudar o meu caso.
Dois dias depois, me comunicou que o Jornal complementaria o meu salário.
Já que não poderia trabalhar e o problema financeiro estava resolvido, decidi fechar meu apartamento e voltar para Belo Horizonte, com minha caríssima metade e a filha recém-nascida.
Três meses depois, com a proximidade do fim da licença, me apresentei ao INSS.
Fiz novos exames e ganhei mais três meses de licença.
Ao final daquele ano de 1972, já com sete meses de afastamento do trabalho, resolvi voltar a São Paulo.
Me senti muito bem.
Eram sete meses sem beber e sem fumar, vivendo incrível vida saudável.
Estávamos, mais ou menos, na segunda semana do mês de dezembro quando me apresentei ao INSS para nova avaliação.
Submetido à nova radiografia, constatou-se que estava tudo beleza. Não havia a menor cicatriz de úlcera em meu estômago.
O médico consultou o calendário:
– Olha, hoje é dia 15 (hipotético). Eu tenho que te encaminhar para o perito. Isso vai levar, no mínimo, uma semana. Ou seja: Você vai ser atendido á pelo dia 22 ou 23, bem às vésperas do Natal. Não é uma boa época. Então, vamos fazer o seguinte: vou te dar mais um mês de licença, assim você vai daqui um mês.
Mais um mês, portanto, sem trabalhar.
Passaram-se as festas e lá pelo dia 10 de janeiro me apresentei ao INSS, conforme estava agendado.
O médico gastroenterologista (era outro), olhou meu prontuário, considerou tudo perfeito.
– Pois bem, você está pronto para voltar ao trabalho. Vou encaminhar seu prontuário para o perito. Passe na recepção e peça para fazer o agendamento.
Na recepção, uma simpática moça me informou que prontuário seria enviado ao perito em uma semana.
– Uma semana? – perguntei meio espantado, pois, estava louco para voltar ao trabalho.
– É, os prontuários são encaminhados uma vez por semana. Essa semana já foi, agora, só na outra.
– Onde é o consultório do perito? – perguntei.
Fiquei sabendo que era a rua Santo Antônio, mais ou menos a uns 500 metros de distância do consultório onde eu estava.
– Escuta, não posso levar, eu mesmo? Assim, a gente ganha tempo.
– Não, não. Tem que ser encaminhado por aqui.
Desta forma, esperei mais uma semana.
Completada a semana, lá estava eu na rua Santo Antônio.
Como o local não fazia parte do programa especial, havia fila e demora no atendimento.
Esperei pelo menos umas duas horas, até que fui atendido por um jovem e jovial médico.
Olhou meu prontuário com atenção.
– Você é jornalista?
– Sim, sou.
– Qual jornal que você trabalha?
– Jornal da Tarde.
– Jornal da Tarde?! Exclamou ele, olhando-me com vivo interesse.
Aquela época, o JT era uma publicação fascinante, uma revolução diária em termos de informação e beleza gráfica.
Por conta disso, seguiram-se pelo menos uns 30-40 minutos de papo sobre o Jornal da Tarde e seus jornalistas.
E eu, aflito, pensando no coitado que esperava na fila.
Ao final da entrevista, o jovem e jovial médico consultou o calendário.
– Bem, se eu te der alta hoje, você voltará ao trabalho amanhã, quinta-feira. Puxa, mas aí já é fim de semana. Então vou te dar alta pra você voltar na segunda. Que tal?
E antes que eu respondesse, ele decidiu:
– Mas segunda-feira não é um bom dia para voltar ao trabalho. Ainda mais depois de uma tão prolongada licença. Vamos fazer o seguinte: Você volta na terça. Tudo bem?
Como se vê, não é fácil a vida de quem quer voltar ao trabalho depois de uma licença do INSS.
Tá, mas, e o futebol do título?
Bom, sobre futebol a gente fala outra hora.
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Mário Marinho – É jornalista. É mineiro. Especializado em jornalismo esportivo, foi durante muitos anos Editor de Esportes do Jornal da Tarde. Entre outros locais, Marinho trabalhou também no Estadão, em revistas da Editora Abril, nas rádios e TVs Gazeta e Record, na TV Bandeirantes, na TV Cultura, além de participação em inúmeros livros e revistas do setor esportivo.
(DUAS VEZES POR SEMANA E SEMPRE QUE TIVER MAIS NOVIDADE OU COISA BOA DE COMENTAR)
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Pois é. O que vc contou foi só um aquecimento do que viria ser o atendimento médico institucional.
São lembranças, Moura.
Boas lembranças.
Abração
MMarinho
Já tenho lido, Marinho, vários depoimentos de colegas que precisaram dos serviços do INSS. Esse seu, para mim, é muito especial, pois você retrata uma situação amarga sem rancor. Ser tratado dos males do corpo pelo organismo oficial de saúde tem sempre azedume de limão, porém você fez uma limonada. E aí segue você, passados tantos anos, lépido e fagueiro. Sendo que agora, tenho certeza, com a condição de ter alguma dor d’estômago ou cabeça resolvidas em segundos no Sírio Libanês. Grande abraço.
Antônio Contente
RESPOSTA – O que me deixa feliz, meu amigo e festejado jornalista e cronista Antônio contente, é ter Você entre os meus leitores.
Abração,
MMarinho
Muito bom texto….
agradável de se ler…
Muito leve e impressiona o”calvario”na busca pelo retorno ao trabalho!!!