Delírios hegemônicos. Por Aylê-Salassié F. Quintão

DELÍRIOS HEGEMÔNICOS

AYLÊ-SALASSIÉ QUINTÃO

… Na área da política, espera-se ansiosamente o momento pelos resultados positivos para proclamar a salvação da humanidade. Está se tornando algo fetichizado, religioso. Encontrada a vacina, será difícil convencer de que se chegou à solução para proteger a vida humana do vírus pandêmico. Desconhece-se que microbiota bacteriana que se movimenta dentro do corpo humano desde o nascimento do sujeito…

Livro: Fim do Futuro Manifesto Ecologico Brasileiro - Jose a Lutzenberger | Estante Virtual

A insistente procura por uma vacina contra o coronavírus deixa margem a algumas preocupações: estão voltadas para proteger a saúde pública ou destina-se a atender o mundo competitivo do capital e da política? Várias empresas e países arvoram-se em anunciar, sistematicamente, avanços inexistentes.

A pandemia vem alimentando sistemas de comunicação e de marketing com advertências sobre a presença ameaçadora do Covid. Grandes laboratórios farmacêuticos e universidades disputam quem chegará primeiro ao novo “produto”. Na área da política, espera-se ansiosamente o momento pelos resultados positivos para proclamar a salvação da humanidade. Está se tornando algo fetichizado, religioso.

Encontrada a vacina, será difícil convencer de que se chegou à solução para proteger a vida humana do vírus pandêmico. Desconhece-se que microbiota bacteriana que se movimenta dentro do corpo humano desde o nascimento do sujeito, carrega milhares de microrganismos colonizadores, a maioria desconhecida, o que significa uma ameaça permanente. No estágio alcançado pela frivolidade do consumo e do desperdício dos recursos naturais, desequilibram-se as leis da natureza humana inclusive. A nova vacina dá sinais de que será mais um produto industrial a manter a dinâmica do capital e a hegemonia no campo da política.

Assusta, porque, há potencial biológico dentro do corpo humano para alimentar indefinidamente uma guerra bacteriológica entre laboratórios e entre países. Nesse espaço superestrutural (consciente ou inconsciente) onde são muitos os líderes conhecidos que teriam remorso de matar metade da população do mundo em nome do capital e do que se chama de “justiça social”.

Não devem ser ignoradas as disputas hegemônicas em torno da descoberta e da adoção da vacina contra a poliomielite ou as  pragas introduzidas, intencionalmente,  nos cafezais da Bahia. A fragilidade da vida face ao poder de destruição do homem e da vulgaridade simbolizada por status fictícios são campos férteis para reprodução do capital e do Poder. Inoculada, a sociedade civil aceita animicamente alimentar esse tipo de escravidão da consciência.

A poluição e o lixo, ao invés de serem combatidos com atitudes cidadãs, transformaram-se em produtos de consumo e, como tal, espaço para inversão e reprodução do capital. Combatê-los, hoje, é outro negócio, também surgido na esfera do capital. A sociedade de consumo é uma orgia destrutiva, e não uma competição saudável, como preconizam os liberais. O fetiche da necessidade de crescimento e empoderamento constante é transformados em dogma, e vai sendo conduzido no mundo pela incitação orgástica de intelectuais destituídos de conexão com a realidade e estatísticas absurdas.  Conservadores, democratas e revolucionários parecem desdenhar da constatação de que a fome afeta um bilhão de pessoas no mundo. Quantos morrem diariamente por inanição?

José Lutzenberger …Era José Lutzenberger, que chegou a ser uma espécie de Antônio Conselheiro ambiental do governo de Fernando Collor. Acusava, explicitamente, duas vertentes dessa perspectiva de desenvolvimento: a dinâmica exagerada do consumo, cada vez mais ávido por recursos; e o marketing, expressão ideológica do capital…

É preciso parar, sim, essa sociedade do consumo, com sua ideologia de expansão domínio e controle ilimitados da natureza, que resulta na destruição sistemática dos recursos naturais – não só pelas queimadas – e na legitimação do poder que emana da política. É impressionante a quantidade de bens ecológicos destruídos para fabricar aços, vidro, cimento, cal, gasolina e os óleos combustíveis ou para se levantar monumentos simbólicos de Poder e obras civis luxuosas.  Age-se de si para si, sem nenhum benefício social.

Trabalhei com um sujeito, meio histriônico que chamava a Terra de uma “nave espacial” e que, ao defender o papel da ciência no planeta, prognosticava o “fim do futuro” para a civilização se, “antes de 1990”, não houvesse uma definição do” destino das florestas tropicais no mundo”. A Amazônia, dizia, não é o pulmão do mundo, mas é o refrigerador, o ar condicionado do planeta…

A continuar essa cegueira ambiental e a exploração irresponsável dos meios naturais serão inevitáveis as calamidades de magnitude nunca vistas e o surgimento, mesmo, de pandemias desconhecidas, profetizava.  Por isso, o que acontece hoje na Amazônia e outros ecossistemas como o do cerrado, do Pantanal, interessa a toda a humanidade.

Era José Lutzenberger, que chegou a ser uma espécie de Antônio Conselheiro ambiental do governo de Fernando Collor. Acusava, explicitamente, duas vertentes dessa perspectiva de desenvolvimento: a dinâmica exagerada do consumo, cada vez mais ávido por recursos; e o marketing, expressão ideológica do capital que, por meios nem sempre honestos, incita esse modelo de sociedade.

 Denunciava, em 1986, que a civilização vivia um “bacanal do esbanjamento” – lembrando que se a humanidade sobrevivesse aos próximos 50 anos a nossa época seria apontada como o momento mais anormal da história do Homem e, para os biólogos, mais crítico da longa evolução orgânica. Os recursos naturais são finitos e socialmente orgânicos, proclamava, e assim lançou o seu Manifesto Ecológico Brasileiro – uma diretriz de comportamento na relação do homem com a natureza, hoje esquecido.

Lembrando a ignorância humana, Lutzenberger comparou a atitude de empreendedores e governos com aquele “pobre diabo” que ganhou o prêmio da loteria sozinho e, desconhecendo o sentido do capital e como preservá-lo, gastou-o em bordéis e orgias públicas.  É isso, age-se como se fosse esta a última geração. “Não temos esse direito, sequer de transferi-lo. É uma herança. Uma questão científica, de interesse público, para ser discutida mesmo em um parlamento digital.

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Aylê-Salassié F. QuintãoJornalista, professor, doutor em História Cultural. Vive em Brasília

 

 

 

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