Acéfalos e Bucéfalos. Coluna Carlos Brickmann
EDIÇÃO DOS JORNAIS DE QUARTA-FEIRA, 22 de SETEMBRO DE 2021
Em Nova York, aonde foi para fazer um desimportante discurso numa ocasião importante, a abertura da Assembleia Geral da ONU, Bolsonaro foi vaiado. Faz parte do jogo: sempre há alguém que vaie. Mas seu ministro da Saúde reagiu com gesto obsceno. Bolsonaro foi mais comedido: chamou os adversários de “acéfalos” (sem cérebro) e garantiu que ali havia mais repórteres do que manifestantes. Os que o vaiavam poderiam ter reagido chamando os bolsonaristas de bucéfalos.
Bucéfalo é um mito greco-macedônio. Indomável, agressivo, gostava de combates; e só aceitava ordens de uma pessoa, Alexandre Magno, formador de um dos maiores impérios da época e rei da Macedônia. Bucéfalo é um mito que atravessou os séculos: para o grande Alexandre, era o cavalo ideal.
Só Alexandre (o rei, não o ministro) conseguiu domá-lo. Só Alexandre o cavalgava, e só na hora dos combates: Bucéfalo era um cavalo de batalha. Mas seria um pouco demais esperar que houvesse lembranças mitológicas no calor da hora. Ali valia apenas a vaia, talvez a frase que era usada contra Dilma. Quem iria lembrar o grande garanhão negro, que morreu de idade e de ferimentos durante a invasão da Índia? Quem iria explicar a Bolsonaro do que é que estavam falando? O fato é que, a pedido da segurança americana, o presidente brasileiro teve de entrar no hotel pela porta dos fundos.
A julgar pelo discurso que iria fazer na Assembleia Geral, a porta que usou foi a correta. Não merecia mais do que a porta dos fundos.
Começou em pizza
Não se impressione com a foto da grande comitiva comendo pizza na rua, como se fossem politicamente perseguidos por não ter tomado vacina. Todos poderiam ter comido lautamente, como estão habituados, se não fosse a tal demagogia. Poderiam ser servidos no restaurante do hotel em que estavam, em qualquer restaurante com varanda (como fizeram mais tarde), poderiam ter pedido que algum dos vacinados da equipe buscasse comida em outro local, poderiam se alimentar, e bem, na missão diplomática do Brasil em Nova York.
Preferiram a foto de boias-frias. E (gosto é gosto) tiveram de comer pizza com ketchup.
Terminou em pizza
O prefeito de Nova York, Bill de Biasio, também mergulhou na demagogia. Disse, num discurso dirigido à delegação brasileira, que quem não estivesse vacinado nem precisaria ir a Nova York, porque a cidade estava fechada a eles. Não estava: a ONU desfruta de extraterritorialidade, e com ou sem a aprovação de Biasio a delegação brasileira seria recebida. E teria, como teve, acesso a um bom hotel, a bons restaurantes, tudo direitinho. A demagogia de Bill de Biasio simplesmente não funcionou.
Terrivelmente difícil
André Mendonça, o candidato “terrivelmente evangélico” que Bolsonaro quer emplacar no Supremo, tem tudo para ser rejeitado pelo Senado – o que não é comum, mas também não é comum um ministro do STF ser nomeado por suas convicções religiosas. O Senado nem está marcando a sabatina de André Mendonça: segundo o senador David Alcolumbre (que, aliás, trabalha contra ele), é porque não há votos suficientes para aprová-lo. Aparentemente Bolsonaro sabe disso, mas não tem como recuar, diante da pressão aberta dos pastores evangélicos. De qualquer maneira, tem um plano B: Augusto Aras, procurador-geral da República. O problema é que os pastores acham que Bolsonaro não está jogando pesado em favor de seu indicado. E, ao dizer que é submisso aos bispos de sua igreja, Mendonça não ajuda em nada.
Tal e qual
Leia o que o ex-presidente Lula disse a respeito do papel da imprensa, há alguns dias: seu pensamento é parecidíssimo com o do presidente Bolsonaro. Lula fala em “controle social da mídia” – em outras palavras, mais cruas, quer censura. Lula, como Bolsonaro, odeia a Globo. Lula abriu a TV Lula (o nome oficial é TV Brasil), Bolsonaro prometeu fechá-la. Mas já está perto do fim do mandato e manteve a TV Brasil exatamente como era, uma tevê de chapa branca, sempre de acordo com os mandatários de plantão. Ambos, Lula e Bolsonaro, acham essencial controlar a informação.
De volta
O ministro Alexandre de Moraes, considerando que a prisão preventiva do blogueiro Oswaldo Eustáquio, militante bolsonarista, tinha sido decretada “para evitar agressões e ameaças à democracia no dia 7 de setembro, decidiu liberá-lo, já que o 7 de setembro já passou. Decretei a prisão preventiva de Oswaldo Eustáquio por entender, na ocasião, haver a presença dos requisitos legais para a garantia da ordem pública, com base na situação fática de então, em especial o fato de o investigado incitar a realização de atos violentos e antidemocráticos no feriado de 7 de setembro (…) Verifico, porém, em razão da passagem do feriado de 7 de setembro, não estarem mais presentes os requisitos fáticos necessários à manutenção da prisão preventiva”.
Bom dia, Carlos Brickmann.
Lula e Bolsonaro são mais parecidos do que ambos gostariam de admitir: ignorantes e grosseirões, arrivistas, tendo-se em alta estima e consideração, centralizadores arrastando as asas para um perfil ditatorial, não admitindo críticas, sempre culpando terceiros por seus erros, são faces de uma mesma moedinha falsa e vagabunda de três reais. Ambos se equivalem e se merecem. E nós, como povo, pelo jeito também merecemos, já que não conseguimos quebrar esse círculo maldito e vicioso.
É verdade: Lula sempre gostou da ideia de controle da imprensa. Dona Dilma, idem, mas não sei se ela entendia direito do que se tratava – estava mesmo é interessada no controle da inflação, que chegou a 16% depois que a dama mandou A. Tombini, seu boneco de ventríloquo no BC, baixar a taxa de juros a níveis que só ela achava corretos. Seja como for, em mais de 13 anos de PT, a ideia da censura felizmente continuou apenas isso, uma ideia, algo vago e imaterial algo que morre na cabeça mole de quem a tem. No entanto, meus esquecimentos talvez me confundam em relação ao resto da história. Estou em duvida: Lula apresentava lives na TV estatal? Lula alguma vez prometeu, em evento ‘glorioso’ transmitido pela TV estatal, provar que as eleições brasileiras são uma fraude? E, sem provas, lembremos, é crime! Quanto tempo Lula aparecia durante a programação da TV estatal? Quanto? Alguém sabe? Bolsonaro, só neste ano, passou mais de 11 horas por mês na TV, sempre interrompendo a programação normal, o que já deu mais de 80 horas de exposição gratuita e encomiástica, e o ano ainda não terminou. Tem cara de campanha eleitoral, rabo de campanha eleitoral, mia como campanha eleitoral, tem pelo de campanha eleitoral – e é campanha eleitoral, o que, aliás, é outro crime. E o rato somos nós…