O Protocolo dos Sábios de Brasília. Por Manoel Gonçalves Ferreira Filho
O PROTOCOLO DE SÁBIOS DE BRASÍLIA
MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO
… Indo neste caminho, nada significará a soberania do povo – o princípio básico da democracia – porque não haverá povo como unidade real, mas apenas como um complexo de minorias “raciais”, culturais, “pigmentais” – criei o termo – de gênero e outras que os Sábios identificarão…
Deve ser fake News, mas corre o mundo a notícia de ter havido em Brasília uma reunião de alguns Sábios, empenhados em guiar o país para o melhor dos mundos.
Suas deliberações foram resumidas numa Ata que vazou – o que não vaza em Brasília?
Assim vieram, ao menos em parte, ao conhecimento de pessoas bem informadas que não podem deixar de passá-las adiante aos seus mais diletos amigos.
Espero que a Ata que vazou não seja uma mentira como o Protocolo dos Sábios de Sião. Este – lembre-se – foi um “documento” redigido pela polícia czarista para justificar a perseguição aos judeus e durante muito tempo foi levado a sério. E por muitos até a morte, como se deu com Hitler.
Há uma diferença radical entre tal Ata e Protocolo, se não bastasse o fato de o russo ser falso. O dos Sábios de Sião exprimia o plano de dominar o mundo, com a manipulação das finanças e a utilização de partidos, inspirados e dirigidos por judeus – poupem-me de dar nomes. Também teve consequências mais trágicas e doloridas para o mundo e especialmente para os judeus, do que terá a Ata ou Protocolo de Brasília.
Este tem um objetivo mais restrito. É o de, aprimorando a democracia, destruí-la em nosso país.
Como assim?
Explique-se a intenção dos Sábios é aprimorar a deficiente democracia brasileira, mas eles não se apercebem de que os melhoramentos que põem em prática ou propõem, terão o efeito perverso de abalar a imperfeita democracia brasileira já tão abalada. (Embora tanta asneira sugira uma conspiração…).
Alguns pontos do programa já estão sendo executados. Evidentemente começou a sua implementação pelo mais fácil.
Há a Constituição que a tudo rege, ignore-se o que ela comanda ou proíbe, não aplicando suas regras. Há separação dos poderes que rege a governança, estabeleça-se uma forma aristocrática em que os Sábios prevaleçam. O caminho está aberto porque são estes Sábios que dizem o que é a Constituição.
Assim, podem tomar as decisões que lhes aprouverem, ou bloquear as de outros poderes, por ato isolado que perdurará per saecula saeculorum.
Mais isto é pouco.
O povo decide mal nas eleições?
A razão são as fake News. Apure-se quem as divulga e tomam para si o encargo, que afeiçoam como querem. Se elas provocam o “ódio” mesmo que não configurem crime, não somente sejam elas censuradas, mas também punidas. Não se invoquem princípios ultrapassados quando o fim é bom, como o devido processo legal, ou a proibição da censura.
Se alguém reclamar, use-se de outro nome para designar a prática (e ninguém o aperceberá). E, neste ponto, contam com a colaboração de Sábios de outra casta que, inocentes mas com estardalhaço, apresentam e aprovam projetos para impedir a difusão das fake news instituindo verificações prévias – o que não seriam censura – e prevendo que isto se faça com “a mão do gato”. Ou seja, pelo provedor da comunicação.
Mas talvez isto não baste. Por isso, criem-se instrumentos para prevenir ou se for o caso anular as eleições desastrosas. Aí entra em campo a famosa imaginação criativa atribuída aos brasileiros.
Primeiro, cogita-se do abuso de poder religioso. Nisto, esquece-se que a liberdade religiosa é garantida pela Constituição e, mais, que a formação da pessoa, no lar e na escola, envolve naturalmente a modelagem de sua ética e da sua crença (salvo – é claro, para minoria dos ateus, entre os quais talvez se inscrevam os Sábios).
Os preceitos então recebidos estão assim infundidos na mente humana e não podem dela ser eliminados – embora o totalitarismo o tenha tentado em vão. Assim, mesmo que o Sábio não queira, acompanharão o eleitor quando este vai dar o seu voto.
Agora vem o mais grave.
O povo que governa na democracia é composto de cidadãos com direitos iguais, que exercem a liberdade ao eleger os seus representantes. Assim, os dois valores básicos – liberdade e igualdade – da democracia são atendidos. E quanta luta foi necessária para se chegar ao one man, one vote, expressão do princípio de que a cidadania não pode ser recusada, independentemente de raça, cor, sexo, trabalho, riqueza e outros fatores que se adotaram para desigualizar os seres humanos no processo político. (Está até na Declaração Universal dos Direitos do Homem – que com este nome e não dos Direitos Humanos e que foi adotada).
Entretanto, há Sábio a pretender que na disputa eleitoral uns sejam favorecidos em relação a direitos e meios. E o critério é racista. Sim, porque debate-se dar ao negro – o termo é o usado – porque é negro – um volume de recursos maior de dinheiro para que tenha maior amparo propagandístico – como se dispêndio eleitoral fosse chave de uma eleição.
Abra o Sábio os olhos para ver que o volume da propaganda paga não basta para uma pessoa eleger-se. Se bastasse, nem seria necessária a eleição, seria mais simples contar o volume de recursos de que os candidatos dispõem e dar os cargos aos mais ricos. (E se poupariam os gastos com Fundo Partidário e com o Fundo Eleitoral, cuja partilha racista é reclamada).
…Será o fim do povo brasileiro – digo expressamente povo e não nação, termo que tem um fundo étnico. Sim, porque, dada a origem da população do Brasil que veio dos quatro cantos do mundo, as multiminorias, cada uma apegada a seu status particular e peculiar não terá o senso da comunidade e com ele a vontade de viver em comum, o elo que faz do brasileiro um povo.
A cor, ademais, nenhum jurista moderno ousaria sustentar seja critério legítimo de desigualação, (nem se fale em raça, porque a ciência moderna ensina que não há raças.) Ainda mais no exercício dos direitos políticos que formam a distinção fundamental entre ser livre e cidadão ou governado e súdito. E a proposta ocorre em face de uma Constituição que expressamente repudia o racismo. E é racismo dar preferência a pessoas levando em conta apenas a cor de sua pele.
Na verdade, Mandela foi claro, em discurso de defesa perante a Corte Suprema de Pretória, em 30 de abril de 1964, ao dizer: “A divisão política, baseada na cor, é inteiramente artificial e deverá desaparecer.”[1] (Mas Mandela era um quinta-coluna para esse Sábio).
Com efeito, os Sábios de Brasília sabem melhor do que ele o que convém para a democracia e o que é necessário para a igualdade de todos os seres humanos. A boa fórmula será desigualá-los ao sabor das modas (importadas).
Indo neste caminho, nada significará a soberania do povo – o princípio básico da democracia – porque não haverá povo como unidade real, mas apenas como um complexo de minorias “raciais”, culturais, “pigmentais” – criei o termo – de gênero e outras que os Sábios identificarão. E se há afrodescendentes, embora bantus e berberes, por exemplo, não sejam da mesma “etnia”, haverá asiáticos – tão diferentes como hindus e japoneses – ou europeus – uns germânicos, outros eslavos, terceiros, “do sul” – como eufemisticamente já se fala em reuniões da União Europeia – lógico será dividir estas minorias em outras minorias… E minorias, cujos integrantes, conforme a questão em causa, se posicionarão, ora como ruivos, ora como europeus, ora como de tal ou qual gênero, conforme a vantagem que a “cota” lhes assegurará.
Será o fim do povo brasileiro – digo expressamente povo e não nação, termo que tem um fundo étnico. Sim, porque, dada a origem da população do Brasil que veio dos quatro cantos do mundo, as multiminorias, cada uma apegada a seu status particular e peculiar não terá o senso da comunidade e com ele a vontade de viver em comum, o elo que faz do brasileiro um povo.
Ao final do processo, o Brasil será uma confederação de indivíduos (será que os Sábios serão anarquistas?).
Que seria do mundo sem Sábios!
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Manoel Gonçalves Ferreira Filho – Professor Emérito de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
SP 24/07/2020
[1] Apud Demétrio Magnoli, Uma gota de sangue – História do Pensamento racial, ed. Contexto, São Paulo, 2009, p. 81.