A máscara caiu. Por Edmilson Siqueira
A MÁSCARA CAIU
EDMILSON SIQUEIRA
… Infelizmente, as investigações sobre o que fizeram tanto o presidente quanto seus filhos em verões passados, não só começaram a enfraquecer a luta contra a corrupção, como mostrou a verdadeira face da família ungida pelo voto: ela é tão corrupta quanto qualquer outra que vive desses expedientes. Da corrupção rasteira da “rachadinha”, prática hedionda…
Com a eleição de Jair Bolsonaro e a posterior aceitação de Sérgio Moro para ser seu ministro, o Brasil inteiro esperava que o combate à corrupção iria alcançar um novo patamar. Depois de atacar a sistêmica corrupção no meio político, agora era hora de aumentar o cerco a corrupções menores que são tão danosas quanto a gigantesca ocorrida nos governos petistas, porque atingem municípios com menos verbas para investimentos. Neles, a corrupção praticamente estanca tudo, acaba com o atendimento direto da população, impede o desenvolvimento e condena boa parte da população a viver eternamente na miséria. E causa mortes, muitas mortes por desnutrição, doenças oriundas da falta de saneamento e por falta de atendimento médico. Sem contar o prejuízo na educação, que faz crescer toda uma geração de ignorantes, prontos para o crime. Enfim, a desgraça não é menor.
A expectativa criada com Moro no governo era grande. Afinal, o discurso firme da campanha contra toda e qualquer forma de corrupção deu a Bolsonaro praticamente metade dos votos que ele angariou no segundo turno. E o que se viu no início do seu governo aumentou as esperanças: Moro começou a trabalhar efetivamente e com muito mais poder que um juiz federal de primeira instância. E os índices de criminalidade começaram a despencar. Sim, a criminalidade comum, que matava cerca de 60 mil brasileiros por ano, começou a despencar mês a mês, em cinco, dez, quinze, vinte por cento. Enquanto isso, a Lava Jato prosseguia seu trabalho, agora mais lento, depois que os grandes esquemas de corrupção já haviam sido desvendados e o modus operandi a força-tarefa já se mostrava maduro o suficiente para mostrar eficiência e botar medo em quem quisesse se aventurar pelo mundo da ilegalidade para roubar dinheiro público.
Infelizmente, as investigações sobre o que fizeram tanto o presidente quanto seus filhos em verões passados, não só começaram a enfraquecer a luta contra a corrupção, como mostrou a verdadeira face da família ungida pelo voto: ela é tão corrupta quanto qualquer outra que vive desses expedientes. Da corrupção rasteira da “rachadinha”, prática hedionda, que consiste em roubar dinheiro direto da folha de pagamento do Legislativo municipal ou estadual com a contratação de assessores que aceitam dar boa parte do salário ao “chefe” ou mesmo apenas emprestar seu nome para a folha e ser um fantasma, à relação com grupos de milícias que aterrorizam boa parte da população do Rio, estabelecendo uma espécie de ditadura local em favelas e regiões inteiras, tudo isso está aparecendo no currículo da família presidencial. Ou seja, ela, a família, tem motivos de sobra para temer a polícia federal, os procuradores, as forças-tarefas que tentam limpar o Brasil dessa escória.
Esse temor acuou o presidente e seus filhos. A derrota para a lei e a mais que provável cassação de todos eles, fizeram com que a debandada para o “lado negro da força” fosse realizada num piscar de olhos. De repente, Moro era um entrave às pretensões presidenciais de ter total controle sobre ações policiais no Rio ou em qualquer outro estado. A prática, totalmente proibida e descabida – um presidente não tem que saber de ações futuras ou o nome de investigados ainda secretamente pelos órgãos oficiais de repressão ao crime – ao não ser aceita pelo ministro, acabou provocando sua demissão e o fim do que restava de esperança à grande parcela de brasileiros no combate à corrupção.
Ao mesmo tempo, Bolsonaro, com receio de que um dos mais de trinta pedidos de impeachment prosperassem no Legislativo, começou a se aproximar do que há de pior no Congresso, o chamado Centrão, abrigo dos mais corruptos políticos que ainda sobrevivem no Brasil.
Para piorar, durante todo esses meses em que os processos contra a família presidencial foram se avolumando e o recuo de Bolsonaro às promessas de campanha foram se materializando, as quadrilhas todas incrustadas no Legislativo e Judiciário brasileiro foram se arvorando a aumentar a pressão para não só livrar a cara de notórios condenados, como também para aumentar a impunidade atual e futura de todos candidatos a “se dar bem” na vida pública. Ou seja: as quadrilhas perceberam que poderiam voltar ao status quo antigo, antes do Petrolão, antes de Mensalão até. Estava aberto o caminho para a locupletação geral e, claro, as atentas e velhas raposas políticas brasileiras não iriam perder a oportunidade.
Seis ministros do STF fizeram sua parte e acabaram com a prisão em segunda instância, criando mais uma barbaridade jurídica no país da impunidade, que incentiva inclusive o investigado a se calar, a não fazer as tão úteis delações premiadas. Já o Procurador Geral da República mostra por que foi uma escolha pessoal de Bolsonaro: ao invés de dar condições cada vez melhores de trabalho às forças tarefas do MP, trabalha descaradamente a favor do presidente, tentando protegê-lo de toda e qualquer suspeita.
…a única preocupação de Jair Messias Bolsonaro hoje é se manter no poder, custe o que custar, doa a quem doer, morra quem morrer.
Ministros do STJ iniciaram silenciosa guerra contra a Lava Jato, enquanto quadrilheiros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho do Ministério Público tentam punir Sérgio Moro e Deltan Dallagnol como se tivessem cometido os piores crimes contra a santa classe de mafiosos políticos brasileiros.
O pavoroso quadro atual – em que Sergio Moro, por exemplo, é questionado até por receber por um artigo que ele foi autorizado a escrever – tende a se solidificar enquanto Bolsonaro e filhos estiverem no poder. A única solução para que o Brasil retome o caminho do combate à corrupção, é a saída do chefe, seja por impeachment ou por renúncia mercê pressões que pode vir a sofrer.
Mesmo porque, a mudança de atitude de Bolsonaro – agora menos beligerante e sem expor diariamente sua limitadíssima capacidade de raciocínio – não engana ninguém. Assim que qualquer investigação chegar mais perto de seus filhos, assim que um juiz ciente do seu trabalho convocá-lo para um depoimento, ele botará novamente as garras de fora e tentará melar, pela brutalidade, qualquer processo que possa lhe atingir ou a seus filhos. Ele é apenas uma fera acuada que finge aceitar tranquilamente a pressão a que está submetido. Por dentro continua se considerando uma grande vítima daqueles que não o aceitam no poder (a esquerda, os petistas, a Rede Globo…), muito parecido com Lula que afirmava que “as elites” não se conformavam em ver um operário na presidência, quando suas corruptas mazelas eram descobertas e seu cargo perigava.
Por fim, tudo isso ocorre em meio à praga da covid-19 que está matando dezenas de milhares de brasileiros, cujas vidas, muitas delas, poderiam ser salvas, caso tivéssemos um líder realmente preocupado com seu povo. Mas a única preocupação de Jair Messias Bolsonaro hoje é se manter no poder, custe o que custar, doa a quem doer, morra quem morrer.
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Edmilson Siqueira– é jornalista
…e mate a quem matar: não duvido deste mote em hipótese alguma – as milícias estão aí, pra isso. Análise pertinente e verdadeira, infelizmente.