Corruptos do mundo, sejam bem-vindos! Por Edmilson Siqueira
– Aqui não há problema, cavalheiro. O senhor pode ficar à vontade. Qual é o seu negócio? Serviços, indústria, transportes? Temos para todos os gostos, com vitória certa em qualquer concorrência e de total garantia de que os negócios, digamos, não republicanos, jamais serão punidos. Descobertos até podem ser, isso acontece muitas vezes, mas basta reservar uma parte da bolada para um dos nossos advogados especializados, que há uma penca de juízes dispostos a colaborar com o progresso do país e, assim, impedir que essas bobagens investigativas prosperem.
Claro que, às vezes, alguém encara uma preventiva, mas sem problemas também. Será por pouco tempo e, no tempo em que estiver por lá, terá todas as mordomias de um hotel de quatro estrelas.
Estamos trabalhando duro para que tudo se arranje. Da parte do governo federal, o arranjo começou com a saída desse juiz totalmente parcial, Sergio Moro. Claro que ele não podia continuar. Estava querendo estancar as fontes de renda de uma organização com a qual temos laços sólidos. Não é porque eles cometem assaltos e traficam umas coisinhas, é que devem ser presos, sabe cumé? São irmãos imbuídos dos mesmos propósitos nossos. Depois, o governo federal colocou mais um juiz no STF que é do nosso time. Já temos quatro lá e, em breve, teremos o quinto. Temos maioria numa das turmas e temos conseguido grandes vitórias ali.
Nos ministérios, depois de um começo meio titubeante, fomos comendo pelas beiradas. Os generais que pensaram que iam acabar com a gente e acreditaram que o discurso eleitoral era pra valer, foram saindo logo de cara. Quem não topou o jogo, dançou, como deve ser. Depois percebemos que o Moro era aquilo mesmo que vinha demonstrando como juiz e não ia entrar na nossa. Arranjamos uma estratégia, bem fácil, aliás, para contrariá-lo e ele pediu o boné.
Aí, pra nossa sorte, veio essa tal de pandemia. Rapaz, foi como ganhar na Mega Sena acumulada todo dia. O único problema era o ministro da Saúde, o Mandetta que, ao invés de apoiar nossas ideias de encher o Brasil de remédios – que é o que devia ser feito para o bem do nosso esquema – resolveu seguir essa tal de OMS que não entende nada de Brasil e não aceitou o que estávamos prontos pra fabricar, que cobririam várias vezes a população do Brasil.
Além do mais, o ministro dizia que as vacinas tinham de ser compradas diretamente das produtoras sem, veja você, intermediários! Ora, isso não existe no serviço público brasileiro! Onde já se viu excluir nossos facilitadores de negócios tão grandes como esses? Não teve jeito: nosso chefe em trânsito (você sabe de quem estou falando, talquei?) arranjou tremenda dissidência com ele que não teve jeito: foi devidamente defenestrado do Ministério.
Só que nosso chefe cometeu pequeno deslize ao substituir o ministro: esqueceu de perguntar pro tal de Teich se ele entrava na nossa ou não. O chefe me disse que pensou que havia dito tudo, mas sabe como é que, né? O chefe é muito ocupado, as redes sociais tomam o tempo todo dele e essas conversas chatas são rapidinhas. Mas, percebido o engano, a gente tratou de não dar ambiente de trabalho pro moço que, rapidinho, pediu o boné. Aí eu mesmo fui falar com o chefe, pra escolher alguém de dentro, pra não atrasar mais nossos empreendimentos. E veio o general, que ficou lá o tempo pra botar a casa em ordem. Agora entrou um médico que está com a gente também, embora as coisas por lá tenham sofrido um contratempo.
Como você vê, trabalhamos muito até acertar os ponteiros lá no palácio. E era necessário, porque a turma da Câmara já estava ansiosa, toda pronta pra apoiar o presidente e dar sua valorosa contribuição ao governo. Mas, devido ao atraso, tivemos que elaborar mais uma estratégia pra ninguém ficar na mão. Havia companheiros, veja que absurdo, que tinham comprado mansões no entorno do lago, assumidos dívidas grandes e estavam com prestações atrasadas. Pra acalmar a turma tivemos que inventar as emendas do relator, nas quais ninguém mete o bico. Foi uma ideia genial de um companheiro nosso, merece uma estátua.
De resto, fomos tomando conta da nossa parte no governo, negociando um voto aqui, outro ali, pegando um ministério de porteira fechada, uma diretoria de uma grande estatal com dezenas de cargos e espalhando nossos cabos eleitorais pelos estados e municípios aliados, afinal, ano que vem tá aí e teremos eleições.
Deu tudo certo, felizmente, e hoje posso lhe assegurar que fazer negócio com a gente, quer dizer, com o governo brasileiro é garantido: é só passar aqui pela nossa humilde organização que você, acertado todos os detalhes, ganha a concorrência.
O contratempo a que me referi, aconteceu na Saúde, mas foi por causa da CPI, que não pudemos evitar. Eles descobriram, por causa de um deputado e de um funcionário que não eram dos nossos, o esquema todo e o negócio foi sacrificar alguns anéis para garantir os dedos. Mas o resto tá tudo certo.
Aliás, está tão certo, agimos tão corretamente, que estamos praticamente garantidos até 2026. Ou seja, você pode ter a certeza de que, fazendo parte do nosso time, vai ganhar tudo que quiser nos próximos quatro, cinco, seis anos. E talvez até mais. Isso porque tudo está a indicar que vai sair um dos nossos e entrar outro, melhor que esse com certeza. O atual chefe, você sabe, é de baixo escalão, é meio burrinho, ainda pensa em rachadinhas, veja você, não tem aquela visão macro que o barbudo tem. Acho que as coisas vão melhorar muito pra nossa turma em 2023.
Por isso, pode investir no crescimento dos seus negócios, que vai sobrar muito mais no próximo governo. Você sabe, nesse mundo empreendedor que vivemos, quem sai na frente leva vantagem. Se eu fosse você, já começava a investir na estrelinha vermelha desde hoje.
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Edmilson Siqueira– é jornalista
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