Mulheres, as grandes líderes nessa pandemia. Por Teresa Ribeiro
MULHERES, AS GRANDES LÍDERES NESSA PANDEMIA
TERESA RIBEIRO
…Parece muito natural que dentro de casa a mulher seja líder no combate ao coronavírus. Mas, fora de casa, também. Não por acaso e talvez por uma misteriosa confluência de papéis, as mulheres primeiras-ministras estejam roubando a cena na condução das políticas de seus países com relação à pandemia…
PUBLICADO ORIGINALMENTE EM ESCRITABLOG, EDIÇÃO DE MAIO DE 2020
O país está politicamente em chamas e humanitariamente em lágrimas. E eu, por conta da avassaladora passagem do coronavírus por aqui, pensando no lado doméstico dessa pandemia… feminino e doméstico, doméstico e feminino… que vínculo eterno, não?
Lembro daquelas propagandas dos anos 50, com imagens de mulheres elegantérrimas sacudindo frigideiras, panos de prato, aspiradores de pó, como exímias damas do lar e só. Agora, quem era e quem não era virou dona (o) de casa com os intensos novos hábitos de higiene que todos fomos levados a adotar. Mas percebo predomínio e exigência feminina na execução dessas regras.
São as mulheres que definem a limpeza da casa e higienizam as compras: uma lava o pacote de pão de forma na torneira da pia, outra o saco de batata chips no tanque e há quem deixe as compras num canto por dez dias antes de chegar perto. Água sanitária, álcool em gel e álcool 70 se tornaram o samba de uma nota só nos apartamentos de classe média.
Parece muito natural que dentro de casa a mulher seja líder no combate ao coronavírus. Mas, fora de casa, também. Não por acaso e talvez por uma misteriosa confluência de papéis, as mulheres primeiras-ministras estejam roubando a cena na condução das políticas de seus países com relação à pandemia.
…Essas mulheres que governam estão fazendo a diferença e mostrando ao mundo que há uma outra maneira de liderar, acionando todos meios e agindo com espírito solidário para enfrentar esse flagelo que atinge toda a humanidade, nesse momento só comparável ao da Segunda Guerra Mundial, como bem disse Angela Merkel…
Minha ficha sobre a gravidade e extensão do contágio caiu quando ouvi Angela Merkel, 65, dizer que 70% dos alemães poderiam ser contaminados, a partir do momento em que a Organização Mundial de Saúde (OMS) reconheceu a pandemia em 11 de março. Justo a Alemanha, um dos países mais prósperos do mundo, comandado por uma política veterana há 15 anos no poder. Somando-se a isso, Merkel possui doutorado em química quântica, ou seja, entende e age em sintonia total com os colegas cientistas. “É sério. Levem a sério”, alertou. Até 26 de maio, com alto investimento em testes e estrutura hospitalar, contabilizava-se no país de 83 milhões de habitantes, 179.002 casos e 8.302 mortes, segundo dados da OMS.
A pequena Islândia, com seus 364 mil habitantes também investiu pesadamente em testes gratuitos para todos, a fim de identificar inclusive os assintomáticos, propôs isolamento e distanciamento social. A primeira-ministra Katrín Jakobsdóttir, 44, proibiu reuniões de 20 pessoas ou mais já no final de janeiro. Resultado até agora: 1.804 casos e 10 mortes.
Fazendo a diferença com a rapidez de suas ações, vem se destacando a presidente de Taiwan, Tsai Ing-wen, 63, que ao saber do surgimento do vírus em Wuhan, distante dela mil quilômetros, passou a controlar os passageiros vindos de lá e dois meses antes do anúncio da pandemia, apresentou 124 medidas, entre elas a distribuição gratuita de máscaras, sem isolar a população de 24 milhões de habitantes. Resultado: 441 casos e 7 mortos.
A originalidade da primeira-ministra da Noruega, Erna Solberg, 59, que fez uma coletiva de imprensa somente para crianças, angariou a adesão da igualmente primeira-ministra Mette Frederiksen, 42, da vizinha Dinamarca, um dos primeiros países europeus a fechar suas fronteiras. Ali perto, na Finlândia, Sanna Marin, 34, que é a segunda primeira-ministra mais jovem do mundo (depois de Sebastian Kurz, 33, da Áustria), também conversou com as crianças pela internet. Inovou, ao usar influenciadores digitais do país que inventou o Angry Birds, para informar os jovens sobre as medidas adotadas. Afinal, Sanna Marin é representante da geração y ou millennial, é feminista, ambientalista e foi eleita pelo Partido Social-Democrata, com uma coalizão de quatro outros partidos liderados por mulheres com menos de 40 anos. Noruega, Dinamarca e Finlândia fecharam fronteiras, promoveram distanciamento, enfim, foram considerados exemplos de sucesso contra o coronavírus. Todos têm menos de 6 milhões de habitantes cada. A Noruega registrou 8.374 casos e 235 mortes; Dinamarca: 11.387 casos e 563 mortes e Finlândia: 6.599 casos e 308 mortes.
Mas a estrela da vez é a primeira-ministra Jacinda Ardern, 39, recentemente apontada como a governante mais popular da história da Nova Zelândia em um século, segundo divulgou o instituto de pesquisas do país, Reid Research. A bem-sucedida reação de seu governo à Covid-19 resultou em um baixo número de 1.154 casos e 21 mortes entre seus 4,9 milhões de habitantes. Jacinda instituiu as entrevistas diárias e as redes sociais para informar a população, reduziu o próprio salário e dos seus ministros em 20% e propôs um plano com escala de quatro níveis, começando com rígido confinamento de 4 semanas, entre outras medidas. Talvez você se lembre dela grávida, quando foi eleita, em 2017. Depois, carregando sua bebê Neve ao participar de Assembleia na ONU. No ano passado, usou um hijab para visitar as famílias das vítimas do extremista de direita que matou 51 pessoas em duas mesquitas. “Eles somos nós”, disse, além de proibir a venda de armas semiautomáticas e fuzis.
Essas mulheres que governam estão fazendo a diferença e mostrando ao mundo que há uma outra maneira de liderar, acionando todos meios e agindo com espírito solidário para enfrentar esse flagelo que atinge toda a humanidade, nesse momento só comparável ao da Segunda Guerra Mundial, como bem disse Angela Merkel. E tanto quanto essas mulheres, destacam-se aquelas que estão em casa, de home office, de professora substituta, animadoras infantis, cozinheiras, doceiras, arrumadeiras, lavadeiras, passadeiras, faxineiras, limpando e limpando e limpando esse coronavírus para bem longe de todos nós.
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TERESA RIBEIRO – É JORNALISTA. DOUTORA EM LETRAS PELA USP