Não tomo cloroquina nem tubaína. Por Isabel Franchon
NÃO TOMO CLOROQUINA NEM TUBAÍNA
ISABEL FRANCHON
O que isso faz de mim? Para algumas pessoas sou apolítica. Para outras, estou em cima do muro. Sou contra o péssimo gerenciamento da crise…
PUBLICADO ORIGINALMENTE NO SITE JORNAL 140.COM , EDIÇÃO DE 27 DE MAIO DE 2020
De verdade não consigo entender a necessidade de se escolher um lado em um momento tão difícil e crucial para nosso país. Sou pela vida. Defendo a vida de cada ser sobre este planeta, até daqueles de quem não gosto. Porque é um direito supremo e não cabe a mim exercê-lo, não por uma questão religiosa ou de crença, mas porque atende aos meus valores mais profundos e, sem eles, sou nada.
A maneira como a crise foi conduzida nos trouxe a este momento, na segunda posição mundial em contaminação, como o atual epicentro da pandemia. Precisaríamos ter chegado a isso? Mais de 350 mil pessoas infectadas, oficialmente (sem contar as subnotificações e ausência de testes), e mais de 25 mil mortes comprovadas.
É pouco? Algumas pessoas comparam números de contaminados a mortos por outras doenças, mas desde quando a vida humana é tão desprovida de sentido que a comparação justifica as mortes?
Não se trata de ser a favor da vida e contra a economia. Ou vice-versa. Trata-se de ser a favor da vida humana, com viabilidade – saúde E economia – ou sobreviver fica impossível. Se chegamos ao cúmulo de ter que optar, então alguma coisa está muito errada. Não é preciso ser economista, administrador, médico, epidemiologista, analista ou um gênio para entender que o modo da condução da crise nos trouxe ao agora.
Alguma empresa sobre a face da terra administra suas crises – que não são poucas – sob confrontos, disputas e cisão? Óbvio que não! Pelo menos em todas as empresas pelas quais passei, ou em todas para as quais prestei algum tipo de serviço, os problemas são enfrentados em conformidade, ainda que haja discordâncias na condução.
Quando há crise deve haver união. E estratégias, claro!
Quanto à união, era hora de fazer um pacto. Um pacto pela vida. Depois, superados os problemas da nação, haveria espaço para voltar às brigas e disputas pessoais, políticas, de poder. Mesmo absurdas. Mas em favor de ideologias, de vantagens pessoais e partidárias, os tomadores de decisão assumiram um comportamento “mimado”, cada um defendendo sua posição, contra a nação, contra o povo.
Quanto às estratégias, bastava seguir um manual de gerenciamento de crises de empresas. Todo bom administrador tem visão de longo prazo e antecipa as ações evitando tragédias. Mas não há, nas empresas, uma estratégia para cada departamento, para cada área, para cada filial: eles agem em conformidade. Isso é possível porque há diálogo.
Quando há diálogo é possível analisar cenários, simular e planejar ações. Quando não há, espera-se a água bater nos quadris para tentar subir no morro.
Óbvio que um país, ainda mais tão grande, diverso e complexo como o nosso, não é simples como uma empresa (sic). Mas, considerando as devidas proporções, será mesmo que não seria possível lidar de uma maneira mais efetiva com o que está acontecendo?
… Não é preciso escolher lado, mesmo porque ambos são complementares. Se estão tão equidistantes, é apenas porque entre eles existe uma guerra de vaidades de que nós não precisamos. Nem precisamos defender verdades, porque elas podem ser relativas. Precisamos defender a vida. Unidos. Porque não há escolha que justifique a omissão…
As melhores práticas de gerenciamento de crise podem ser resumidas em alguns itens quando uma boa análise de cenário é feita por especialistas multidisciplinares. E foram profundamente ignoradas pela grande maioria dos gestores públicos. Afinal, era carnaval quando o vírus chegou! Money… money…
É possível gerenciar crises
Conversei com empresários de vários níveis em empresas e extraí algumas boas lições que servem de base para lidar com as crises. Segundo eles, privadas ou públicas – no cenário mundial da Covid19 é possível ver quem seguiu e quem não só de ver os resultados da epidemia:
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- Ter agilidade na medida certa, sem esperar pelo momento crítico para começar a agir
• Simular cenários e planejar ações, desenvolvendo um plano baseado nas melhores práticas já testadas
• Criar um grupo multidisciplinar para agir na linha de frente, compartilhando decisões unificadas
• Criar uma única estratégia de comunicação para todos os stackeholders envolvidos, através de um agente que, ao manter todos informados, evita o pânico e atitudes que colocam tudo em risco
• Monitorar as ações à medida em que são feitas, para se manter preparado e corrigir possíveis falhas
• Tirar lições diárias da crise, evitando a paralisia e agindo em uníssono para recuar ou avançar
• Medir danos e determinar um plano de continuidade
• Entender que os desafios não acabam com a superação da crise
- Ter agilidade na medida certa, sem esperar pelo momento crítico para começar a agir
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Aproveitei para falar da famosa reunião – quando o combate à Covid19 deveria ter sido discutido. Para quem tem a opinião de que as reuniões em empresas acontecem naquele clima (e ali seria só mais um retrato da realidade) é bom saber que, na grande maioria delas, são comportamentos indesejados e não aceitos nos dias de hoje. As empresas já estão identificando os Psicopatas Corporativos perniciosos ao clima de negócios, e superando a crença de que são essenciais para o sucesso.
Comparando às reuniões em empresas, é como se cada área tivesse uma pauta e, aproveitando a crise, sugerissem enganar o fisco, aproveitar para praticar preços abusivos, entregar produtos sem qualidade, controlar o café diário, diminuir salários dos mais simples e até (pasme!) trocar cadeiras ergonômicas por outras ruins.
Não é preciso escolher um lado
Cada cabeça, uma sentença, diz o ditado popular. É fato: cada um vê o problema e a solução como lhe convém – afinal, um ponto de vista é apenas a vista de um ponto. E quem pensa na coletividade? Basta uma passada diária, bem rapidinho, pelas redes sociais para confirmar o extremo e irracional individualismo retratado. Será que é tão difícil entender que enquanto este, ou outro vírus ainda desconhecido, “passear” pelo planeta todos corremos risco? Somos um e compartilhamos a mesma casa. A Terra. As fronteiras existem, sim, para segregar pessoas. Não vírus.
Conheço três pessoas que achavam um exagero essa discussão em torno de uma gripezinha – aí morreu alguém da família. Até então eles usavam a Suécia como exemplo: um país que não optou pelo isolamento social e que parecia estar indo bem, mas acabou se tornando o país com maior taxa de mortalidade (6,08 por milhão de habitantes, contra 4,07 no Brasil – dados de maio/2020).
Comparar os dois países é, no mínimo, covardia. A Suécia tem uma extensão territorial de 450.295 km2 contra 8.516.000 km2 do Brasil. São 10.23 milhões de habitantes lá e 209.5 milhões aqui. A renda per capita sueca é de 50.608,36 USD, enquanto a brasileira é de 8.920,76 USD. E a Suécia ocupa o 9º lugar no IDH (0.885) enquanto o Brasil está na 73ª posição (0.699). Sem contar inúmeros fatores como diversidade cultural, pessoas vivendo abaixo da linha de pobreza, nível educacional, entre outros. (dados de 2018).
Resumindo, o que eu queria dizer aqui, é que não é preciso escolher lado, mesmo porque ambos são complementares. Se estão tão equidistantes, é apenas porque entre eles existe uma guerra de vaidades de que nós não precisamos. Nem precisamos defender verdades, porque elas podem ser relativas. Precisamos defender a vida. Unidos. Porque não há escolha que justifique a omissão.
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ISABEL FRANCHON – Jornalista, com especialização em marketing. Consultora em Cultura Organizacional, Coach. Palestrante.
Excelente artigo Isabel, como sempre. Bom ler seus textos no Chumbo Gordo, esse oásis de pensadores lúcidos no árido deserto brasileiro que nos encontramos. O coronavírus vai passar. O Bolsonaro vai passar. Abraços!
OBRIGADA!!! POR MIM E POR TODOS DAQUI
BEIJO MARLI