Livro a perigo? Por Meraldo Zisman
O Padre Antônio Vieira (1608 – 1697), um dos mais influentes personagens da língua portuguesa, afirmava: “o livro é um mudo que fala, um surdo que responde, um cego que guia, um morto que vive”.
Ouço frequentemente vaticinarem o fim do livro de papel, ameaçado que está pelos avanços cibernéticos.
Outros afirmam que nunca, num país como o nosso, se propagou tanto o livro e a leitura. Não teria tanta certeza de isso afirmar e nem desejo ser mais um especulador do futuro. Raciocinando como médico que sou, creio serem os sintomas o fator mais importante para o diagnóstico correto do paciente pois, se não se sabe o que causa a moléstia, não se pode curar o paciente. Mas, deixando a Medicina de lado e retornando aos arautos que afirmam que o livro impresso já está moribundo, digo: desde quando o mundo é mundo, a escrita existe… muito antes da invenção do alfabeto. O problema não é o livro, suas mudanças ou novas plataformas que por ventura venham a ter, mas sim, ameaçado está desde o instante em que foi “elevado” à condição de mais uma mercadoria…
Não necessitaria ser escritor, intelectual ou filósofo para perceber que muito antes de chegar à livraria, o livro já aparece pré-vendido, com sua propaganda pinçando partes diminutas do texto. Inúmeras são as revistas, programas de TV e sites sobre literatura prontos a disponibilizar páginas, trechos ou até capítulos que julgam mais atraentes, isso muito antes do primeiro exemplar chegar à livrar alvoroço midiático composto por textos, televisivo, por pôsteres, entrevistas, reportagens, documentos informativos, opiniões ou debates que acompanha a promoção de determinados livros e seus autores na maioria das vezes (infelizmente), não é mais do que muito barulho por nada. Poucas são as obras de valor que necessitam ou precisaram deste apoio marqueteiro. Desconfio, como leitor, ser esse um dos sinais mais preocupantes que carregam em seu bojo os avanços insensatos quase que impostos sobre a vida social e a cultura da humanidade.
Tal mercantilagem da Literatura, alavancada pelos espetáculos das feiras e eventos literários, oportunidade nas quais os autores lançam-se ou são obrigados a lançarem-se diante dos holofotes da mídia, pode levar (caso não bem dosado) ao empobrecimento da Literatura. E quem disso não se aperceber e denunciar está descumprindo as regras da deontologia intelectual.
Sou da opinião que o perigo que o livro corre não são os avanços tecnológicos, mas sim a parafernália “promocional” que caminha a reboque desta aleivosa promoção do livro e da leitura.
Leon Tolstói (1828 – 1910) dizia: “escrevo livros, por isso sei de todo mal que eles podem causar”.
Para concluir :
— A Cultura tem ganhado mais, quase sempre, com os livros que causam prejuízo às editoras.
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Meraldo Zisman – Médico, psicoterapeuta. É um dos primeiros neonatologistas brasileiros. Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha). Vive no Recife (PE). Imortal, pela Academia Recifense de Letras, da Cadeira de número 20, cujo patrono é o escritor Álvaro Ferraz.
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Caro Meraldo
Sou-lhe grato por compartilhar seus ensaios que sempre me trazem momentos de ricas reflexões