O linguado e o disco voador. Blog do Mário Marinho
O LINGUADO E O DISCO VOADOR
BLOG DO MÁRIO MARINHO
Essa época de quarentena, de recolhimento, parece ser também propícia às lembranças, às recordações. A Tv reprisa novelas, mostra jogos de futebol antigos, a gente remexe no baú, encontra velhas fotos, velhos textos, velhos tempos.
Foi assim que encontrei a crônica que se segue, publicada em 13 de outubro de 2014.
Vamos à ela.
Passava pouco do meio dia e o meu próximo compromisso era às quatorze horas. Tinha tempo, portanto.
Vi um anúncio sedutor de um restaurante: “Nossa especialidade: filé de linguado ao molho de ervas finas”.
Não resisti e resolvi experimentar.
Sentei-me à mesa, fiz o meu pedido e água sem gás para acompanhar.
Abri o livro “O império de Hilter – A Europa sob o domínio Nazista” (Mark Mazower, Companhia das Letras) e dediquei-me à leitura.
Minutos depois, chegou o linguado que estava excelente, divino.
Após o almoço, pedi um café e continuei minha leitura.
O ocupante da mesa ao meu lado levantou-se olhou o meu livro e perguntou:
– Deve ser uma boa leitura, não?
– Espero que sim, respondi. Ainda estou na página 60 de quase 800.
– Sabia que ele era Illuminati?
– Ele quem?
– O Hitler.
– Não, não sabia.
– Você manja Illuminati?
– Iluminados?
– Mais ou menos. É uma confraria criada em 1776, por três pessoas. A organização prega uma Nova Ordem Mundial.
– E o que vem a ser isso. Quer tomar um café?
Ele aceitou e se apresentou: Rafael. Tomou lugar à mesa.
– Essa organização quer um mundo melhor, sem fronteiras sem barreiras de espécie alguma.
Rafael se animou.
– Sabe, o mundo é muito cheio de injustiças, de diferenças. Os Illuminati querem que o mundo tenha uma só linguagem, uma só filosofia de vida, uma só economia, uma só moeda. As regras e oportunidades devem ser iguais para todos. Nada de fronteiras.
– Você acha isso possível?, questiono.
– Claro. As barreiras foram criadas pelos homens, portanto eles têm como derrubá-las. É só querer.
– E onde Hitler entra nisso?
– Ele tinha esse mesmo pensamento.
– E começou liquidando os judeus?
– Foi errado, concordo. Mas ele era Illuminati. Você sabia que ele teve contato com a vida extraterrena?
– Nunca ouvi falar.
– Você acredita que existe vida extraterrena?
– Tenho minhas dúvidas.
– Por quê?
– Nós estamos num mundo que se torna menor a cada dia graças à comunicação. O homem vai à Lua, à Marte e nunca encontra ninguém por esses caminhos.
– Pode-se pensar também que eles encontram, mas mantêm segredo, não é?
– É uma possibilidade.
– Eu já tive um contato.
– Verdade? Como foi?
– Há alguns anos fui visitar um tio numa cidadezinha do interior de São Paulo. Ele ficou de me buscar na rodoviária. Quando eu cheguei, ele não estava lá. Telefonei para a casa dele e ele me informou que estava com visitas em casa. Pediu que eu esperasse um pouco. Perguntei se era muito longe, ele me informou que não e me ensinou o caminho.
Rafael chama o garçom e pede mais dois cafés.
– Era noite e eu fui andando. Estava bem escuro. Entrei por um atalho, quase uma trilha sugerida pelo meu tio. De repente, assim do nada, apareceu uma luz muito forte que me cegou. Levei algum tempo para voltar a enxergar. As luzes começaram a mudar de cor, sons muito estranhos apareciam e sumiam…
– Era um disco voador?, pergunto.
– Com certeza era uma nave espacial. Aquilo durou algum tempo. Eu tive a sensação de que buscavam algum tipo de comunicação.
– Você viu gente, algum tipo de ser vivo?
– A luz não deixava, aqueles sons… era tudo muito confuso.
– Durou quanto tempo?
– Não sei. Só sei que de repente aquela luz se afastou numa velocidade incrível. Quando cheguei na casa do meu tio, ele me perguntou: por que demorou? Perdeu o caminho?
– E você explicou?
– Claro que não, ele não iria acreditar.
– Teve outro contato depois?
– Não, mas passei a estudar o assunto.
– Chegou a alguma conclusão?
– Sei que os habitantes de outro mundo são superiores a nós, estão muito mais avançados. No mundo deles não existem os problemas que temos: falta de educação, de saúde, fome, misérias, crimes. Eles são quase robôs. E é por isso que tentam contato conosco.
– Não entendi.
– Eles não têm sentimentos e estão à procura do sentimento conosco. Nós temos sentimentos humanos como a alegria, a tristeza, a dor. Eles não.
-Eles alcançaram o nível Illuminati?
– De certa forma sim. Só que não têm a felicidade como nós a conhecemos.
Rafael faz uma pausa, pensativo. Depois se apresenta e diz que é advogado com escritório bem perto do restaurante. Pergunta o que faço e quando digo que sou jornalista, pega minha mão, emocionado.
– Puxa, que maravilha! Estou falando com a pessoa certa! Tenho certeza que você vai ajudar na divulgação dessas ideias, vai escrever sobre isso.
– Sobre os Illuminati e o mundo sem fronteiras, eternamente feliz…
– Isso mesmo! Mas não será para nós. Isso é coisa de séculos, dois ou três.
– Mas dois ou três séculos passam depressa, provoco. Acho que daqui uns 300 anos vamos nos encontrar nesse mesmo lugar. Talvez a embalagem seja outra, mas seremos nós dois. Aí Você me perguntará: linguado com quê? E eu responderei: com molho de ervas finas.
Rafael apertou fortemente minha mão entre a suas, olhou-me no fundo dos olhos e saiu do restaurante com passos emocionados.
Lembrei-me então do Castor, o Eduardo Borgonovi excelente e criativo jornalista, companheiro de muitos anos do velho e bom Jornal da Tarde.
Castor tinha certeza na existência da tal vida extraterrestre. Era vidrado em OVNIs. Assistiu ao filme “Contatos imediatos do terceiro grau” pelo menos umas 300 vezes. A cada vez se emocionava ainda mais e voltava certo de que o filme não era ficção, era um recado.
Castor, como ele era conhecido, era um fervoroso defensor da ideia de que a ciência sabia da existência da vida extraterrena, mas não admitia.
Ele tinha certeza que a virada do século traria novidades, grandes e importantes novidades quanto ao relacionamento com outras vidas. Mas não viveu para tanto: na virada do século, morreu aos 54 anos de idade, vitima de infarto fulminante.
Ou, talvez, tenha sido abduzido.
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Mário Marinho – É jornalista. É mineiro. Especializado em jornalismo esportivo, foi durante muitos anos Editor de Esportes do Jornal da Tarde. Entre outros locais, Marinho trabalhou também no Estadão, em revistas da Editora Abril, nas rádios e TVs Gazeta e Record, na TV Bandeirantes, na TV Cultura, além de participação em inúmeros livros e revistas do setor esportivo.
(DUAS VEZES POR SEMANA E SEMPRE QUE TIVER MAIS NOVIDADE OU COISA BOA DE COMENTAR)
Marinho,
Boa noite.
A crônica muito interessante, o lance da pseudo abdução deve ter sido em Minas, é sempre por aqueles lados que acontecem essas coisas.
A cara do linguado estava muito boa ( acho um prato excelente ). Parabéns pelo texto.
Abraços
Ricardo Abud
A gente poderia ser abduzido no John Sehn ou no Bar do Leo, chopp sempre com colarinho.
Ninguém perguntaria.
Só degustaria.
Abraços
Zancopé Simões
Muito boa estória, Mário.
Parabéns!!!
Grande abraço.
Diniz Cepeda
Como o linguado sobre a mesa, Mário, esta tua crônica também está uma delícia. A eterna questão da vida fora daqui é sempre fascinante, e eu já conheci pessoas que contam ter sido abduzidas. Mas a lembrança do Castor no teu texto também merece destaque, ele de fato adorava essas histórias de discos voadores, conversamos algumas vezes sobre o tema. Muito bom te ler. Coloca mais coisas pra gente navegar.
Grande abraço.
Antonio Contente
Muito saboroso o seu linguado. Desceu bem.