Ignorância F. C. Por Edmilson Siqueira
IGNORÂNCIA F.C.
EDMILSON SIQUEIRA
… Se o político erra, o eleitor começa a arranjar desculpas para eximi-lo do erro. Diz que o honesto político no qual ele votou errou “tentando acertar”. Se não cumpre o que prometeu, o eleitor cria uma justificativa qualquer do tipo “o antecessor não deixou dinheiro pras obras…”. Se rouba e é denunciado, o eleitor diz que é mentira…
Nos países civilizados, governantes e parlamentares são cobrados diariamente por seus atos. Em alguns países, podem ter o mandato encerrado antes do tempo, por vontade popular expressa em votação, caso não cumpram as promessas de campanha ou cometam algum ato desabonador.
No Brasil, o eleitor escolhe um candidato e passa a adorá-lo como se fosse o time de futebol que ele escolheu quando criança ainda para torcer pelo resto da vida. A partir do momento em que vota num político, o eleitor brasileiro passa a considerá-lo perfeito, imune a erros e defensor perpétuo do povo.
Se o político erra, o eleitor começa a arranjar desculpas para eximi-lo do erro. Diz que o honesto político no qual ele votou errou “tentando acertar”. Se não cumpre o que prometeu, o eleitor cria uma justificativa qualquer do tipo “o antecessor não deixou dinheiro pras obras…”. Se rouba e é denunciado, o eleitor diz que é mentira, que ele jamais roubou e que tudo não passa de uma campanha dos adversários para derrubá-lo. Se o seu político contesta dados científicos e conclama a população a se contagiar e a correr perigo de morte, o fanatizado eleitor diz que “ele está certo, pois é um herói do povo que a esquerda, os comunistas e aquele governador maoísta e traidor querem derrubar.”
… Aqui no Brasil, tentar fazer um fanático bolsonarista entender que a ciência, e não um leigo, é quem deve comandar as ações de combate à praga, é o mesmo que tentar convencer um torcedor do Corinthians a torcer para o Palmeiras…
Esse cenário brasileiro, que tem tudo para ser uma peça de ficção (de mau gosto, aliás) mas é realidade, não encontra paralelo no mundo civilizado. Franceses, espanhóis, italianos e ingleses perceberam – situação e oposição – que a única saída para combater na guerra contra a Covid-19 com menos perdas é se retrair, é se esconder do inimigo, pois não há arma que o derrube. E quando houver, ele já teria feito milhões de vítimas se não houvesse isolamento social.
Até o recalcitrante Donald Trump, uma espécie de Bolsonaro, só que mais esperto e com assessores inteligentes, se rendeu à evidência e passou a pregar fervorosamente o isolamento social.
Aqui no Brasil, tentar fazer um fanático bolsonarista entender que a ciência, e não um leigo, é quem deve comandar as ações de combate à praga, é o mesmo que tentar convencer um torcedor do Corinthians a torcer para o Palmeiras. É praticamente impossível convencê-lo de que o futebol pode deixar um fanático torcedor de bom ou mau humor por uns momentos e, amanhã, a vida segue normalmente, haverá outros jogos e vitórias… Mas a política errada não causa frustrações momentâneas. Ela desgraça um país, ceifa vidas.
Pois numa era em que você pode conversar instantaneamente com um amigo que está no Japão, com som e imagem na palma da mão, estamos vivendo, paradoxalmente, uma guerra que nos remete à Idade Média, quando a Igreja Católica, através da Inquisição, torturava e mandava para a fogueira pessoas que conseguiam, através de estudos e experiências, curar algumas doenças consideradas incuráveis ou perceber, através de longos trabalhos que envolviam observação contínua e precisos cálculos matemáticos, que nosso planeta girava em torno do Sol e não era o centro do Universo.
Aqui temos um presidente que, ao perceber que a economia vai sofrer grande debacle por contra de uma pandemia, o que vai ocorrer em todo o mundo, diga-se, o que pode destruir seus sonhos de reeleição, resolveu apostar no obscurantismo para, ao fim do processo, e às custas de muitas vidas, tentar tirar, descaradamente, alguma vantagem político-eleitoral. Seus aliados dizem que ele está pensando no emprego que os brasileiros vão perder. Fosse assim, todos os outros presidentes estariam fazendo o mesmo que Bolsonaro. Não estão. Falam em salvar vidas primeiro e depois pensar em recuperar a economia.
…E seus fanáticos torcedores o seguem qual rebanho de Jim Jones a caminho do suicídio coletivo, fazendo passeatas, fechando avenidas e gritando, por mais absurdo que possa parecer, que o coronavírus não existe, enquanto o espalham criminosamente…
Nesta quarta-feira, 15 de abril, há um exemplo que pode servir de desenho para os bitolados bolsonaristas: a Turquia adotou um isolamento meia boca, já que a besta do seu presidente decidiu que a economia não pode parar (lembra outra besta? Pois é). Pois nos últimos 34 dias, os turcos viram crescer de 1 para 61.049 o número de infectados. O Brasil, apesar das bestas que ululam por aí, mas adotando um isolamento mais condizente com a necessidade, demorou 48 dias para chegar aos 25.262 infectados. Detalhe: a Turquia tem 85 milhões de habitantes. O Brasil, 210 milhões.
Aqui, nosso presidente, embora hoje mande menos do que a rainha da Inglaterra, prefere jogar pelo lado obscurantista. Teimoso feito mula empacada, passou a tomar atitudes completamente antagônicas ao conhecimento científico: fez propaganda descarada de um remédio que não tem eficiência comprovada e que deixa sequelas graves; peitou cientistas e médicos em relação às medidas para não espalhar o vírus; brigou com metade do seu próprio governo ao se recusar a dar um bom exemplo que poderia salvar muitas vidas e, mesmo diante de todas as evidências, mesmo diante de todas as medidas tomadas por países mais desenvolvidos que o Brasil, mesmo diante do número crescente de infectados e mortos aqui e em outros países, passou a insistir numa retórica arrogante que equivale dizer que o mundo todo está errado e somente ele está certo.
E seus fanáticos torcedores o seguem qual rebanho de Jim Jones a caminho do suicídio coletivo, fazendo passeatas, fechando avenidas e gritando, por mais absurdo que possa parecer, que o coronavírus não existe, enquanto o espalham criminosamente.
Infelizmente, eu tenho quase a certeza de que esses fanáticos pensam que, se morrerem no meio dessa “cruzada do mal”, terão o mesmo destino dos terroristas islâmicos que se vestem com bombas e se explodem em meio a multidões: irão para o paraíso e receberão a graça divina. Ou, sei lá, uma réplica da Copa do Mundo de Futebol.
Perfeito, muito bem dito. É desesperador. E, como se esse despudor não pudesse piorar, ainda o vemos usar ‘a fome’ pra chantagear a população a se expor à doença e à morte – de si e dos seus. Negar alimentação ao celebrado ‘celeiro do mundo’, é como não se contentar em matar: é matar bem matado.
Parabéns pelo artigo.