Um dia depois do outro. Coluna Carlos Brickmann
EDIÇÃO DOS JORNAIS DE DOMINGO, 12 DE SETEMBRO DE 2021
Bolsonaro pode dizer o que quiser, mas levou uma lambada de criar bicho. Não é que, como no ditado romano, que a montanha tenha parido um rato; foi pior, a montanha pariu um rato fujão. Como se diz no Interior, embora a frase caipira seja mais explícita, “fugiu de medo, sujou o dedo”.
Mas, como de hábito, a análise fundamentalista está errada: a história de game over é para boi dormir. O jogo continua até pelo menos as eleições.
O país vai tão mal que, com um pouco de sorte, Bolsonaro pode se sair bem exatamente no ano eleitoral. Os estoques estão baixos e repô-los não só cria empregos como estimula a economia. Ao criar empregos, a reposição de estoques dá mais algum estímulo ao comércio e à indústria. A Bolsa Família, rebatizada de alguma coisa verde-amarela (Bolsonaro não sabe, mas são as cores da antiga família imperial de Orleans e Bragança), reforça as finanças de quem mais precisa – e que vai gastá-la não só em comida, mas também em material de construção e em mobiliário. Esses estímulos provavelmente vão gerar inflação – que, aliás, já está mais elevada que o ridículo e molenga pixuleco exibido pelos marchadores “conservadores e defensores dos bons costumes”.
Não faz mal: a parte boa vem antes das eleições; e a ruim, depois da votação. E, como ensinava o marqueteiro americano James Carville, que trabalhou para Bill Clinton, quem ganha eleição “é a economia, estúpido”.
Bolsonaro está fraco. Cai com um piparote. Daqui a um ano, quem sabe?
Lula e o passado
Quando a Lava Jato abraçou Lula, a Odebrecht revelou o Departamento de Operações Estruturadas e um funcionário de terceiro escalão devolveu um dinheirão à Petrobras, havia como afastá-lo. Preferiram que ficasse no poder, sangrando, para chegar fraco à eleição e ser batido.
Ele se recuperou, reelegeu-se, elegeu sua candidata. Se já aconteceu, pode acontecer de novo.
Vivendo…
Cada surpresa! Depois de dois lives de Bolsonaro em que, ruidosamente, afrontou a audição dos espectadores e atingiu em cheio o olfato do intérprete de Libras, este colunista descobre que Zé Trovão é o apelido de outro, não o dele. Imaginemos o desempenho deste outro!
É melhor não prendê-lo, não: embora seus parceiros de cela possam ser compreensivos, estarão sujeitos a uma pena cruel e desumana à qual não foram condenados. E o presidente já deu bons motivos para dirigir-se a seus adeptos só naquele cercadinho e se exibir naquele Rolls-Royce conversível. Melhor optar por ambientes abertos.
…e…
Não é estranho ler e ouvir de gente supostamente bem preparada que haverá um protesto favorável ao presidente? Protesto favorável, cara-pálida? Protesto é contra. Que tal se referir a manifestação favorável ao presidente?
…desaprendendo
A propósito, boa parte dos caminhões que bloquearam estradas em diversos Estados tinha a identificação das empresas a que pertenciam. Logo, não houve “greve” de motoristas de caminhão. O que houve foi locaute, paralisação decidida pelos patrões. A greve é um direito. O locaute é ilegal.
Chuvas de verão
Este colunista, por princípio, não aposta. Mas às vezes dá uma vontade! Por exemplo, quem aposta que a promessa de Bolsonaro, de se comportar de agora em diante como um manso gatinho de colo, será cumprida durante pelo menos quinze dias? Não que, embora mie alto e tente rugir, ele deixe de ser um gatinho de colo. Mas, como gatinho de colo, pode arranhar a pele de alguém; e aí vai dizer que não é gato bravo, mas leão fingindo que é manso.
Modo de vida
O fato é que Bolsonaro não tem programa, não tem a menor ideia de como dirigir um país, e só conhece um tipo de relacionamento: um manda, o outro obedece. Se fosse administrador, poder-se-ia dizer (o poder-se-ia é influência do ex-presidente Temer) que administra por atrito.
Não é isso: os gurus de seus filhos, aqueles ideólogos americanos, têm a tese de que ou o aliado tem 100% de adesão ou passa a ser inimigo – tese descrita no livro Engenharia do Caos, que mostra como funciona a desconstrução da estrutura democrática, usando exemplos como o de Trump, como daquele comediante que chegou ao poder na Itália. E a tática é a mesma: em matéria de política, não há diálogo, apenas um relacionamento de tudo ou nada. Amigos de dezenas de anos são descartados e transformados em velhos conspiradores.
O nome é…
Andaram fazendo piada com Michel Temer, comparando-o a Fernanda Montenegro, que em Central do Brasil escrevia cartas para os imigrantes analfabetos para enviá-las á família. Mas Temer lembra mais o mordomo do filme Crepúsculo dos Deuses: apaixonado pela personagem de Gloria Swanson, ex-estrela que sonhava com a volta triunfal às telas, ele redigia cartas atribuídas a fãs recordando a superstar e exigindo sua volta.
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Boa noite, Carlos Brickmann.