Diante da morte todos viramos filósofos. Por Meraldo Zisman
DIANTE DA MORTE TODOS VIRAMOS FILÓSOFOS
MERALDO ZISMAN
O Homem é – muito – difícil de mudar. E tampouco será mudado pelas epidemias ou guerras, disto certeza tenho. Além disso, o que sei é que diante da morte nós, ricos e pobres, intelectuais e analfabetos, todos viramos filósofos…
“Tudo vale a pena, quando a alma não é pequena.”
Esse verso de autoria de Fernando Pessoa é lindo, porém a maioria da humanidade é de alma pequena e nenhuma pandemia conseguiu aumentar ou diminuir a alma das pessoas. Não sei como é a alma de um criminoso, mas a alma de um homem honrado é um inferno.
No que concerne à História humana, há pontos marcadores inscritos pelas mais diversas guerras e pandemias. E elas estão indelevelmente gravadas no registro histórico da humanidade.
Neste planeta, apesar da ocorrência de grande número de pandemias e guerras, o caráter dos seres humanos basicamente não mudou. Assim sendo e para mostrar que os “sapiens” não se modificaram, elencarei as principais pandemias:
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- Praga de Justiniano (541-542): 30-50 milhões de mortes.
- Peste Antonina (165-180): 5 milhões de mortes
- Epidemia de varíola japonesa (735–737): 1 milhão de mortes
- Peste-negra (1347-1351): 200 milhões de mortes
- Varíola (1520): 56 milhões de mortes
- Grandes pestes do século XVII (1600): 3 milhões de mortes
- Grandes pestes do século XVIII (1700): 600 mil mortes
- A terceira peste (1855): 12 milhões de mortes
- Cólera (1817-1923): 1 milhão de mortes
- Gripe espanhola (1918-1919): 40-50 milhões de mortes
- Gripe russa (1889-1890): 1 milhão de mortes
- VIH/AIDS (1981-atualidade): 25-35 milhões de mortes
- Febre Amarela (final dos anos 1800): 100 mil – 150 mil mortes
- Ebola (2014-2016): 11 300 mortes
- Gripe Suína (2009-2010): 200 mil mortes
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Essa lista me faz refletir:
Nada mais verdadeiro que o dito: ganhar uma batalha faz crer que se ganhou tudo, mas, na verdade não se ganhou a guerra. Todas essas pandemias não acabaram com nossa vida na Terra, nem derrotaram a maldade humana, nem reduziram a esperança de que a humanidade seria diferente após os surtos epidêmicos/pandêmicos.
Albert Camus, na terminação do seu livro A Peste escreve:
“Cada um de nós tem essa praga dentro de si, porque ninguém no mundo está imune, ninguém”.
Sem pessimismo, não venham me dizer que quando passar a pandemia atual todos estaremos mudados.
Sobre novas pandemias, cito o verso do poeta André Chénier (1762-1794), francês que foi guilhotinado no regime do Terror da Revolução Francesa. Dizia ele: “para novos acontecimentos, novos versos”. Acredito que não. O cerne humano continua o mesmo. Esquecem, os que assim não pensam, que a formação da personalidade resulta de uma interação contínua e dinâmica entre os sujeitos e seus contextos de vida. O inconsciente humano soterra em cada pessoa os sentimentos e as lembranças desagradáveis e primárias.
A pessoa nem é boa, nem é má, simplesmente É.
O Homem é – muito – difícil de mudar. E tampouco será mudado pelas epidemias ou guerras, disto certeza tenho.
Além disso, o que sei é que diante da morte nós, ricos e pobres, intelectuais e analfabetos, todos viramos filósofos…
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Meraldo Zisman – Médico, psicoterapeuta. É um dos primeiros neonatologistas brasileiros. Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha). Vive no Recife (PE). Imortal, pela Academia Recifense de Letras, da Cadeira de número 20, cujo patrono é o escritor Álvaro Ferraz.
Ótimo artigo como de costume, Dr. Meraldo! Justa medida. Diferenças do poético. Muito obrigada.