Marcados para morrer. Por Aylê-Salassiê F. Quintão
MARCADOS PARA MORRER
AYLÊ-SALASSIÊ QUINTÃO
…No mundo conectado, os cidadãos parecem empenhados a recuperar o poder que os políticos usurparam. Laços eletrônicos interativos, sem possibilidade de controle pelo Estado, vão se estabelecendo. Com ações mobilizadoras em tempo real e no espaço virtual, abrem-se possibilidades de se provocar uma grande ruptura nos modelos econômicos, políticos, sociais e até institucionais, sem serem incomodados por ideologias ou partidos…
Os políticos liberaram o Governo para gastar, defendem a distribuição ampla de recursos para empresas e trabalhadores e a manutenção da quarentena. Seria uma questão de consciência em relação à pandemia do coronavírus ou um protagonismo para as eleições de outubro? O quórum no Congresso está baixíssimo. É possível que senadores e deputados estejam se reunindo em videoconferências, como no Supremo Tribunal Federal.
Quem vai pagar essa conta? É preciso perguntar mesmo. Os ricos não serão. A classe média também não: cínica, é ela quem vai gastar o dinheiro que o Governo liberar, justificando-se com pequenos “atos simbólicos” de doações de alimentos, e encenações de benevolência e caridade para a televisão.
O setor produtivo nacional não demonstra, historicamente, ter acumulado poupança suficiente, com lastro bastante para bancar uma pandemia econômica. As Reservas (US$ 350 bilhões) não servem como argumento, porque o Brasil deve três vezes mais do que acumula. Então, os encargos cairão mesmo é sobre o trabalhador pobre e alienado em suas especialidades, que poderá perder o emprego e até a renda familiar. Já não seria uma pandemia de Covid 19, nem de gripe, nem de dengue. Morreria mais gente de fome do que de coronavírus, segundo o misto de publicitário e empresário Roberto Justus.
Certo, entretanto, é que a epidemia vai sepultar definitivamente milhares de empregos e habilitações, ao vir associada com as inovações tecnológicas e a chegada das megatendências nas formas de trabalho: teletrabalho, casa inteligente, transporte alternativo, telemedicina, etc. De tal forma que, no fim da epidemia do coronavírus, o País terá retomado a deflação e um número de desempregados igual ou maior que os deixados pelos governos anteriores e, de fato, poderá sucumbir a uma crise fiscal.
Se há uma preocupação com a saúde dos brasileiros exigindo soluções sanitárias radicais, de outro é preciso impedir o retrocesso da economia. O cenário epidêmico deixará sequelas graves. É preciso se preparar para as consequências. Mas, vai pegar uma sociedade – não só os governadores – cada vez mais difícil de ser controlada. As inovações tecnológicas extensivas e baratas vem ampliando, também, o poder de mobilização das categorias sociais mais baixas, gerando correntes digitais de solidariedade contra o estado da arte da Política no Brasil.
No mundo conectado, os cidadãos parecem empenhados a recuperar o poder que os políticos usurparam. Laços eletrônicos interativos, sem possibilidade de controle pelo Estado, vão se estabelecendo. Com ações mobilizadoras em tempo real e no espaço virtual, abrem-se possibilidades de se provocar uma grande ruptura nos modelos econômicos, políticos, sociais e até institucionais, sem serem incomodados por ideologias ou partidos.
Anônimos, espontâneos e independentes da existência de um Parlamento de inspiração montesquiano (300 anos atrás), a pessoas começam a agir, por conta própria, cansadas e desiludidas do processo político democrático tradicional que insiste em retomar as estruturas arcaicas que o sustentam, com os mesmos protagonistas.
Esse tipo de político com sua politicagem aborrece, despertando os cidadãos da letargia do silêncio imposto por discursos hegemônicos para resolver sozinhos, em espiral, angústias que afetam o seu cotidiano. Como instrumentos de mobilização e aglutinação de pessoas em torno de aparentes micro causas, as redes sociais têm demonstrado enorme eficiência. Poucos parecem se assustar com esse aterrorizante mundo virtual da pobreza digitalmente conectada.
Portanto, não dá para ignorar, denúncias, reflexões, pesquisas e mesmo práticas sociais alternativas surgidas com a possibilidade de se ter governos digitais, eleições digitais, forças armadas digitais, medicina digital, escola digital, livro digital, ciência digital, comércio digital, igreja digital, jornais e tvs digitais. Ora, e porque não Parlamento Digital?
Cedo ou tarde, o País vai enfrentar a experiência de uma possível sociedade interligada – quase 200 milhões de cidadãos – por meio de redes sociais eletrônicas e digitais, manipulando modelos, com força política suficiente para alterar o status institucional da comunidade nacional, atuando independente de um Parlamento convencional, de um Exército regular ou de qualquer mobilização partidária.
São milhões de pessoas conectadas por dezenas de redes digitais – Whats App, Twitter, Facebook, Linkedin, App.net, Avaaz, Change etc… Elas têm sido importantes para a solução de problemas em vários lugares no mundo. Foi assim na Primavera Árabe.
A analogia do nome Parlamento Digital – apropriado como aliado do Parlamento convencional – começa sugerir distâncias cada vez maiores entre a sociedade civil e a sociedade política. O lócus da discussão política vai se deslocando furtiva dos espaços analógicos e institucionais para os imaginativos e digitais em rede, marcando para morrer interesses camuflados e concentrados privadamente na política e na mídia tradicional. E o pior: no trabalho, até mesmo no serviço público. Vai dizer que isso não seria uma democracia?…
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Aylê-Salassié F. Quintão* – Jornalista, professor, doutor em História Cultural. Vive em Brasília