O dia depois. Por Marli Gonçalves
O DIA DEPOIS
MARLI GONÇALVES
O que sairá de tudo isso? Nunca vivemos coisa parecida, uma batalha mundial e contra um vírus, a pandemia do COVID-19, que já dizima milhares de pessoas. Tantas mudanças de hábito, tantas imposições. Nos adaptamos aos poucos ao Presente, que – e que assim seja garantido! – estoura todos os dias nessa guerra que não deixa de ser muito particular, uma vez que cada um tem responsabilidade por si e muitas pelos outros. Mas já sonho com o dia depois, aquele, no Futuro, uma forma de renovar as esperanças e a saúde mental, que não tem como não estar afetada
Como é? Como vai ser? Até quando? Perguntas e mais perguntas, e nem bem uma é respondida surgem outras e outras, em detalhes que precisam ser vistos, revistos e solucionados. Uma angústia imensurável, difícil de aplacar. Precisamos sobreviver – essa é a questão central – acima de metas, planos, governos, e esse, aqui no Brasil, nos leva a ainda mais e mais dúvidas sobre o desenrolar desse momento; e não vai perder por esperar. Já começamos a fazer barulho.
Cada um fechado em si como pode, poucos nas ruas, e todos esses em estranhos visuais e movimentos – nunca vi tantos esfregarem suas mãos em movimentos nervosos como os que fazemos nos virando com álcool em gel em cada lugar, cada coisa que tocamos, e desesperados tentamos nos livrar do maldito. Olhares ansiosos. Com máscaras, como se elas fossem escudos (e não são, se usadas de forma aleatória); alguns com luvas. Praticamente nos benzemos, nos damos passes, em busca de assepsia. O vírus invisível pode estar sendo carregado em todos, porque nem todos o desenvolvem. Crianças podem levar aos mais velhos. Os mais velhos entre si. Todos para todos, sem exceção. Os jovens ainda arrogantes talvez ainda duvidem que podem transmiti-lo como o vento. Não há testes que isentem enquanto isso não acabar.
A tecla idoso não para de ser batida, e quem tem mais de 60 anos apresentado literalmente como alvo de uma flecha que queremos que erre muito. Quando se passa dessa idade, talvez não tivéssemos ainda consciência, essa exata noção, que a cada dia nos tornamos mais frágeis. E se essa pandemia veio para calibrar a população mundial estamos na fila principal – junto com nosso conhecimento, maturidade, história, e o que não valerá nada diante da atual conjuntura. Alguns, já solitários, ficarão mais isolados. Outros, tidos como estorvos, para eles haverá torcida para que se adiantem na tal fila.
Não nos damos as mãos, não nos abraçamos, ficamos sem beijos, um é bom, vários, dois, três, quatro, dependendo se é carioca, paulista, três para casar. Agora só nos tocamos com a ponta dos cotovelos ou dos pés, numa dancinha inimaginável. Ou nos deleitamos em conversas virtuais. Todos viramos caras quadradas, enquadradas no visor.
Mas haverá um dia – o dia depois – e creio que é bom pensar nisso, projetar. Dá esperança para ultrapassar essa agonia, essa fase espinhosa, quase impossível de descrever.
As festas que faremos nas ruas, a alegria que será – e tudo o mais será melhor, mais importante, pelo menos por um tempo tudo terá mais valor, prazer – podermos nos libertar e andar livres, em nossas atividades normais. Vamos cantar, dançar, nos abraçar?
A Humanidade toma um baque que já nos faz pensar o que sairá dessa experiência, como conseguiremos lidar com tantas incertezas e sobreviver à crise que se descortina mostrando suas garras para uma sociedade enfraquecida em tantos sentidos e por tantas outras formas.
Chegará o dia depois. Ele deverá chegar, embora agora não tenhamos a menor noção de quando será.
Será anunciado? Haverá uma data em que todos, no planeta inteiro, comemoraremos, que passará a ser universal?
Quero estar viva para viver esse dia. E que você também esteja para que possamos nos dar as mãos. Se cuida.
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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. À venda nas livrarias e online, pela Editora e pela Amazon.
marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br
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Minha cara. Depressão, como diz minha patroa psiquiatra, é uma coisa fácil de definir (para além da neuroquímica, claro): ausência de esperança, de projetos, de desejos realizáveis ou não. Infelizmente, parece-me que estamos nos encostando nela, coletivamente, mundialmente, para muito em breve mergulhar de vez. E só deus sabe se será possível sair (tenho dúvidas de que seja seu plano…). Sentimo-nos todos, hoje, um pouco amargos, soturnos, incertos sobre o que encontraremos amanhã, ao abrir os olhos. A única certeza é a de que encontraremos um mundo menor. Ele será outro, quem conhecemos e amamos poderá dele não mais fazer parte, e mesmo o que sobrar do país será pior do que este que conhecemos hoje. À depressão que já alimentamos com o isolamento que nos é imposto e com o medo do apocalipse, se seguirá aquela que o país viverá economicamente. Quem viu a versão spielberguiana da Guerra dos Mundos, pôde assistir à destruição de alienígenas poderosos que nos invadiam, não porque tínhamos armas poderosas, mas por ter nossos vírus e bactérias para os quais ET nenhum no universo está preparado. Se antes de tentar nos invadir, os ETs soubessem de nossa diversidade natural de microrganismos, por certo desistiriam da conquista. A depressão seria a deles. Coronavírus neles, mas deveriam ser feitos só pra eles!
Restou a nossa depressão. Já abandonei minhas caminhadas ao ar livre, porque dizem que é perigoso, e já tem quase um mês que não entro num cinema (o que muito me aborrece). Cafés, não frequento mais. Restaurantes, tenho passado longe. Já declinei de um convite para um jantar com amigos e de uma reunião familiar dominical, já abandonei a ideia de receber em minha casa alunos em fase de redação de tese – o que atrasa os trabalhos deles e o meu. Não sou do tipo que gosta de pregar quadros, arrumar armários, por estantes e prateleiras em ordem – de fato, gosto da desordem clássica das minhas estantes, com livros em todas as posições, inclusive fora delas. Mas fazer o quê? Vivemos um momento único, de proporções únicas, de consequências idem. Faz a gente se lembrar de que a morte também é única. Sinto-me pessimista. Alegra-me muito saber que meus Pomerânias não adoecerão, mas confesso que temo pela possibilidade de que ninguém mais possa cuidar deles como eu e minha patroa fazemos. O vídeo que vi hoje na edição das 18hs da globonews, mostrando a luta inglória de médicos italianos no norte da Itália, é de deixar qualquer um deprimido o suficiente para perder algumas lágrimas. Lágrimas de desesperança. De desespero. Não quero que meus Pomerânias vivam sem mim!
Assim como você, cara Marli, desejo muito o tal ‘dia depois’. Quando ouço o Ministro da Saúde garantindo que entre o meio de abril e o fim de agosto o sistema de saúde brasileiro estará totalmente colapsado (o que significa que ninguém mais poderá ser atendido, ou seja, todo mundo morre sem medicação e médico), fico na dúvida sobre a existência desse dia.
Putz, estou muito deprimido… Desculpa aí.
Na próxima, tentarei algo mais curto e leve.
ah, meu querido leitor! Está mesmo muito difícil, mas a gente ultrapassará essa fase.. e cantaremos e dançaremos nas ruas.
Beijão pra vcs
Querida Marli
A continência é resquício da cavalaria: usavam a mão para manter aberta a viseira da armadura.
O aperto de mão, por incrível que pareça, é ainda pior: os dois cavaleiros mantinham as mãos apertadas para impedir, ou atrapalhar, que num gesto de traição um, ou os dois, utilizasse a mão direita, dominante para a maioria, para sacar e utilizar as suas espadas.
Já os orientais, com certeza por terem a muito passado por situações parecidas, lembrando que japonês gripado é quem utiliza máscara, cumprimentam à distância.
Novas situações, novos hábitos: pode ser que o cumprimento japonês prevaleça entre nós, como pode ser que prevaleça o cumprimento bancário; torço pelo primeiro.
Beijos
vamos nos curvar uns diante dos outros…beijão