Os loucos de todo gênero. Por José Carlos Gentili
…Como tudo muda, o diploma legal mudou, quando então suprimiram este dispositivo e os loucos passaram a ser normais e aptos. Os hospícios foram esvaziados…
O extinto Código Civil brasileiro, de 1916, previa em seu artigo 5º, item II, que eram absolutamente incapazes de exercer pessoalmente aos atos da vida civil, os loucos de todo o gênero, ditame este que aprendi no Curso de Direito.
Como tudo muda, o diploma legal mudou, quando então suprimiram este dispositivo e os loucos passaram a ser normais e aptos. Os hospícios foram esvaziados.
Concomitantemente, as putas da minha adolescência não mais ficaram segregadas em determinadas ruas, em casas com luz vermelha. As mulheres ditas de vida fácil ganharam as ruas. Tudo se tornou difuso e os prostíbulos perderam as cafetinas de plantão.
Os lupanares e os hospícios foram esvaziados… As zonas perderam seus limites…
No universo da Natureza tudo se transforma, nada se cria, nada se perde, na afirmação de Antoine-Laurent de Lavoisier, químico francês, inteligência rara que foi cognominado de Pai da Química, e que morreu guilhotinado no século XVIII pelo Terror robespierrano.
O Império Romano se desagregou a partir do século III com a chegada de povos bárbaros e com o declínio dos costumes vivenciais, quando por volta de 476 d.C. Roma teve seu último imperador, excetuado o lado bizantino. A desagregação societária foi prenunciada por Marco Túlio Cícero em sua obra – De republica-, inscrita como O Sonho de Cipião (Somnium Scipionis Ciceronis ex sexto libro de republica), lembrado como Cipião, o Africano, rígido homem público, a mostrar os deveres moralizantes e escatológicos dos povos.
Dias atrás, ao tentar limpar heroicamente minha biblioteca do pó e das miseráveis traças, deparei-me com um livro de Machado de Assis (sem dúvida um gênio), obra intitulada O Alienista, onde reencontrei a figura fantasmagórica do Doutor Simão Bacamarte, casado com Dona Evarista de Moraes, sábio, que se destinou ao estudo da loucura.
Dizem que Dona Evarista de Moraes morreu calva, como Alexandre da Macedônia, na Antiguidade, e Júlio César, imperador romano.
As sátiras machadianas, sempre atuais, têm o condão camaleônico da atualização temporal, adequando-se aos tempos em que vivemos com a insanidade a pontificar em nossa sociedade. No dizer do cerebral Doutor Simão Bacamarte “todos são loucos, menos nós mesmos.”
A Nau dos Insensatos é algo transcendental, alegórico, onde os viandantes agônicos não sabem para onde vão, sequer se importam em saber o rumo e a reta, o azimute a ser percorrido, verdadeiro navio dos loucos, na busca da salvação, comandado por uma tripulação disfuncional, assim pensado por Platão.
No medievo, Erasmus de Rotterdam, clérigo batavo, filho de um padre, posicionou-se contra o domínio da Igreja, que sempre açambarcou a educação, a cultura e a ciência, como segmentos submissos à religião, razão pela qual foi eleito Príncipe do Humanismo e, sua obra, Elogio da Loucura (magnum opus), foi considerada, atualíssima, até nossos dias.
A Medicina, via os segmentos da Psicologia e Psiquiatria, conduzidos por Sigmund Freud, Lacan e outros luminares, entende que a “loucura é um distúrbio mental grave que impede alguém de viver em sociedade, definido pela incapacidade mental de agir, de sentir ou de pensar como a suposta insanidade mental.”
Assim, Isaac Newton definiu a insanidade: “Eu consigo calcular o movimento dos corpos celestes, mas não a loucura das pessoas.”
Ao finalizar busco no baú da sabedoria universal a magistral citação de Desiderius Erasmus Roterodamus, quando afirma que “a pior das loucuras, é sem dúvida, pretender ser sensato num mundo de doidos.”
Pura doidice de doidivanos!
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*José Carlos Gentili – Advogado, jornalista e escritor. Foi delegado da Polícia Federal.
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