A primeira pauta. Blog do Mário Marinho
A PRIMEIRA PAUTA
BLOG DO MÁRIO MARINHO
O blog de hoje não fala sobre futebol. Fala sobre uma inabalável amizade que durou mais de 50 anos.
A primeira experiência a gente nunca esquece.
Assim, nunca poderia esquecer a minha primeira pauta no Jornal da Tarde.
Cheguei à redação do JT numa manhã de sábado, dia 20 de janeiro de 1968.
Naquela mesma manhã havia chegado em São Paulo, a bordo de um potente ônibus Cometa, depois de sacolejante viagem pela Fernão Dias que durou quase 10 horas.
Vinha a convite do Marco Antônio Resende, com quem havia trabalhado na Última Hora, de Belo Horizonte.
O JT era o sonho dourado de qualquer jornalista.
Marco Antônio fez o convite, mas, alertou:
– O Murilo (Felisberto, redator chefe) quer ver um texto seu. Topa vir aqui fazer uma matéria?
– Claro.
A redação estava vazia naquele sábado já que era dia de folga, pois, o jornal não circulava aos domingos.
A Pauta (com letra maiúscula) estava lá.
Eram três laudas de Pauta.
Eu deveria cobrir um jogo de futebol de várzea, num dos campos que ficavam junto à Marginal Pinheiros, logo depois da Ponte Pequena, em direção à Castelo Branco.
A Pauta era super minuciosa.
Descrevia o local: campo de terra, cercado de mato, de torcedores, de vendedores de frutas, sanduíches, doces, refrigerantes, cervejas, pingas…
Primeiro, joga o segundo quadro; depois, o primeiro.
O juiz costuma ser alguém da torcida.
Era como se eu nunca tivesse assistido a um jogo de várzea. Mas eu era um jogador de várzea em Belo Horizonte. Só que o Kleber não sabia disso.
Deveria escolher pelo menos três personagens e fazer quatro retrancas: uma para o jogo e três para os personagens.
Escolhi como personagens o Juiz, um vendedor e o melhor jogador do jogo.
Fiz a matéria, deixei com o Marco Antônio para entregar ao Murilo e no domingo voltei para Belo Horizonte, onde deixara uma noiva aflita.
Na segunda-feira, estava de volta à redação da Última Hora mostrando a todos, com orgulho, a pauta que havia recebido.
Virou atração.
Na UH, assim como no Diário da Tarde, onde eu também trabalhava, nunca havíamos visto uma pauta tão completa.
Duas semanas depois eu estava de volta para o Jornal da Tarde, aí em definitivo, e só então conheci o autor daquela Pauta, verdadeira obra de arte.
Ficamos amigos.
O Kleber morava na rua dos Ingleses, no Bixiga, apartamento onde eu estive muitas e muitas vezes. O Kleber gostava de receber. E, como bom minero, era bom anfitrião.
Aprendi muito com o Kleber que foi meu segundo chefe no JT (o primeiro foi o Carmo Chagas).
Naquele ano de 1968, eu era solteiro e o Kleber idem. Varamos madrugadas na Galeria Metrópole, no restaurante Picardia, no Jogral (que havia se mudado para a rua Avanhandava), o Gighetto que mais tarde se mudou para a Avanhandava, e muitos outros.
Atravessamos muitas vezes a perigosa Fernão Dias, vencendo os desafios de seus 580 quilômetros até Belo Horizonte no Fusquinha 68, verde claro que o Kleber possuía.
Lembra-se daquela noiva aflita que deixei lá em Belo Horizonte? Pois é, em maio de 1969, casamo-nos. E quem foi um dos padrinhos? Ele mesmo, Kleber de Almeida.
Além do Esporte, Kleber foi também Editor da Política e da Economia.
Na reportagem, cobriu a Olimpíada de Munique, aquela do atentado terrorista de 1972. Foi também repórter junto ao Itamaraty.
Foi um Editor severo, exigente, às vezes, até mal-humorado. Odiava trocadilhos nos textos e principalmente nos títulos.
Certa dia, chegou na redação cuspindo marimbondo.
Queria saber quem tinha sido o autor do título com o César, centroavante do Palmeiras. Era uma matéria com o polêmico goleador que reclamava de seu Clube. O título era:
“A César o que é de César”.
A editora de Esportes tinha um copy veterano, chamado João Werneck. João era uma figuraça. O pai da tranquilidade. Falava baixinho e estava sempre calmo.
– Klebinho, o título é do garoto.
– Que garoto?
– O Paulinho.
– O Paulinho Foca? (anos mais tarde, conhecido como Paulo Moreira Leite).
– Isso.
– E você deixou passar?
– Klebinho, o garoto estava tão feliz…
A calma do João Werneck contaminou o nervoso Klebinho.
Da Rua dos Ingleses Kleber se mudou para o elegante bairro de Higienópolis, para um belíssimo apartamento onde curtia sua solteirice.
E parecia que o celibato o acompanharia até o fim da vida.
Mas, eis que um dia o Fernando Mitre o apresentou à loira e sorridente Gina, prima da Heloisa, esposa do Mitre.
O cativante sorriso da Gina, a moça de Marília, tomou de vez o coração do mineiro de Guanhães. Claro, como consequência, veio o casamento sólido que durou 40 anos.
E viveram felizes até o fim.
Kleber Ferreira de Almeida nos deixou no dia 03-03-2020, aos 76 anos de idade. Deixou a viúva Gina e a filha Ana Teresa.
Além de muita saudade.
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Mário Marinho – É jornalista. É mineiro. Especializado em jornalismo esportivo, foi durante muitos anos Editor de Esportes do Jornal da Tarde. Entre outros locais, Marinho trabalhou também no Estadão, em revistas da Editora Abril, nas rádios e TVs Gazeta e Record, na TV Bandeirantes, na TV Cultura, além de participação em inúmeros livros e revistas do setor esportivo.
(DUAS VEZES POR SEMANA E SEMPRE QUE TIVER MAIS
NOVIDADE OU COISA BOA DE COMENTAR)
belíssima homenagem a um companheiro!
Pô, Mário Marinho…Não tenho recebido o Chumbo Gordo. Gostaria muito de ver seu artigo sobre o Nirlando. E de manter contato direto com vc. Estou escrevendo sobre os primeiros tempos do JT no Facebook. Toda terça-feira. Você ou o Big Charles brigaram comigo?
Abraço grande…
taogomes@gmail.com
AMORE, JÁ VI O QUE HOUVE EM SEU EMAIL – ESTAVA COMO “ASSINATURA CANCELADA”. VOU MANDAR UM OI PRO MARINHO TAMBÉM. FIZEMOS UM GRUPO DE WHATSAPP DO JT.