Deu chabu. Por José Horta Manzano
by Lezio Júnior, desenhista paulista
Nesta quarta-feira, 8 de setembro, acordei ansioso. Estava curioso pra ver com que olhos a imprensa europeia tinha observado as passeatas que Bolsonaro convocou em louvor de si mesmo. Logo de manhã, ao ligar o rádio, um calafrio me fez imaginar que pudessem estar em edição especial anunciando com voz grave um golpe de Estado no Brasil.
Não estavam em edição especial. Sintonizei as rádios suíça e francesa. Fui para a internet. Dei uma olhada nos títulos da BBC. Perpassei as manchetes do Corriere della Sera e as chamadas do Figaro. Olhei ainda duas ou três mídias menos importantes. Nada. Na respectiva primeira página, cada um estava preocupado com as próprias mazelas.
A BBC, sempre atenta ao que ocorre no exterior, dá prioridade a notícias do novo governo do Afeganistão. O Corriere della Sera está preocupado com intrigas da política interna italiana e com o passaporte sanitário – que lá se chama “green pass”. Na França, discute-se também o “pass sanitário”, mas o grande assunto do dia é a abertura do alentado processo que julga 20 acusados de participar do ataque terrorista desferido na boate Bataclan em 2015, assalto que deixou 130 mortos, centenas de feridos e um país traumatizado. O suíço Le Temps comenta a nova regra que limita a velocidade da circulação a 30 km/h, que vai vigorar em todo o perímetro urbano da cidade de Lausanne, de 22h a 7h da manhã. Uma lei aprovada no México, para destravar o aborto voluntário, era outro tema.
Enfim, cada um com suas preocupações. De Brasil, muito pouco, quase nada. Alguma coisinha aparecia lá no fundo, bem abaixo dos títulos, em clara sinalização do pouco interesse que o assunto desperta nos leitores daqui. Por que será? Acredito que se deva atribuir ao cansaço de ouvir sempre os mesmos acontecimentos, que, de tão repetidos e previsíveis, já não encantam nem surpreendem.
Este é um blogue de respeito. Portanto, não tem cabimento ficar repetindo palavrório pesado que a gente usava na adolescência. (É verdade que presidente da República hoje fala pior que adolescente, mas essa já é outra história.) O que eu queria dizer é que, com seu chove e não molha, Bolsonaro me lembra a frase que a gente soltava quando alguém ameaçava, ameaçava, sem nunca se decidir a partir para a ação. Em termos próprios “para senhôras”, era algo como: “ou resolve logo ou sai de cima”. Se é que me entendem.
A jornada com que o presidente nos brindou ontem deixou um gostinho de chabu. Tudo era pra ser grandioso e definitivo, mas não passou do nível habitual de discurso de bêbado de botequim: rasteiro, com ameaças, insultos e palavrões, mas vazio de efeito. Nem a PM, que parecia amaciada e pronta pra pegar carona na carroça do chefe fazendo “arminha” com as mãos, deu as caras. Como o presidente deve ter se sentido desamparado…
Dos salvados do incêndio, sobram dois restos – ambos desagradáveis. O primeiro, desagradável para o presidente, é que ele queimou todos os cartuchos. Sua “revolução”, anunciada com antecedência e data marcada, munida de ordem de marcha e financiada com dinheiro (público) às pencas, simplesmente não deu certo. O dia terminou exatamente como tinha começado, com a única diferença que o capitão, ainda mais fraco que antes, arrumou mais algumas dúzias de inimigos e atiçou o Congresso para apressar o lançamento desse processo de impeachment antes que seja tarde. Bolsonaro está desarmado e desacreditado como um leão sem dentes. Tudo o que vier pela frente não passará de mais do mesmo. Seus truques, conhecidos de todos, já não assustam ninguém.
O outro salvado do incêndio é desagradável para a população brasileira, que ficou privada do 7 de Setembro, seu feriado maior. Isso não se faz. Em vez de visita de convidado de honra estrangeiro na tribuna de honra, damas de longo e cavalheiros empertigados, desfile de gente fina nos saguões do Planalto, o que tivemos? Uma tribuna mequetrefe, com crianças fantasiadas de bandeira do Brasil. Após passagem rápida e protocolar pela cerimônia brasiliense, o capital correu pra participar de uma festa mambembe, que não deixou nada a dever ao animado estilo dos trios elétricos lulopetistas. Participantes havia às pencas, só que, desta vez, os ônibus estacionaram longe; o sanduíche de mortadela e a cloroquina(*) foram distribuídos dentro dos veículos, longe das câmeras, que é pra não dar na vista.
Tem nada não. No próximo 7 de Setembro, teremos nossa festa tranquila, risonha e descontraída. E, oxalá, sem Bolsonaro.
(*) Foi o próprio capitão a afirmar que o povo “de esquerda” toma tubaína, enquanto o “de direita” engole cloroquina.
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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos, dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.
Já tem algum tempo que o apelido dado por mim ao senhor em questão é Pó de Traque: faz muito barulho, muita fumaça e, ao final, só deixa um fedor no ar como lembrança.
“(…) o que tivemos? Uma tribuna mequetrefe, com crianças fantasiadas de bandeira do Brasil”, diz o colunista. Mentira! Mentira! Tivemos uma tribuna mequetrefe e umas crianças bem idiotas fantasiadas de generais, de ministros, e uma delas, particularmente patética, golpista, dada a delírios de grandeza, fantasiada de presidente. Uma puta criança chata, aliás! Que vontade de enfiar a mão na bunda dela!