Morrendo pela boca. Por Edmilson Siqueira

MORRENDO PELA BOCA

EDMILSON SIQUEIRA

…Parece que exigir do presidente uma fala carregada de bom senso, que tenha, ao mesmo tempo, a inteligência de atacar seus adversários e preservar a figura presidencial acima da esgotosfera política que impera em certos níveis, é missão impossível…

Se o presidente Jair Bolsonaro for cassado, o motivo terá sido a burrice. Nas mais de quatro décadas em que acompanho a política brasileira, jamais presenciei um presidente espalhando sua total falta de inteligência como o atual.

Durante a ditadura militar, as esquerdas lançavam piadas sobre os generais-presidente realçando aspectos onde prevalecia a falta de esperteza e/ou inteligência. Elas faziam parte, claro, da campanha contra o regime, uma tentativa de diminuir a inteligência dos militares e mostrar que eles não tinham condições de exercerem o cargo que exerciam. Uma delas dizia que o presidente (não lembro qual deles) estava voando só com o piloto e este tem um ataque cardíaco e morre. O presidente pega o rádio e se comunica com o aeroporto mais próximo informando a situação. A torre pede que ele diga a altura e a rota. Ele responde: um metro e setenta e oito e, em seguida, solta um arroto.

Só que, fora das piadas, eu não me lembro de discursos ou falas informais dos generais-presidentes que depusessem contra a inteligência de cada um deles. Teve aquela declaração de João Figueiredo que preferia o cheiro do cavalo ao cheiro do povo, numa sinceridade de lascar, mas foi em seu governo que o país voltou a respirar ares de democracia e, depois dele, passada a tormenta Sarney, a ditadura acabou e tivemos eleições diretas.

A brutalidade dos regimes militares não era eivada de declarações desastrosas, assim como, nos governo seguintes, a educação necessária e inerente ao cargo foi mantida até a chegada de Lula ao poder. Com os presidentes petistas tivemos duas mudanças significativas nesse campo: Lula era (é ainda) um boquirroto, mas sempre usou essa sua ignorância verbal a seu favor e para contentar seus seguidores. Houve ofensas a adversários, mas nada muito fora do campo político, onde há maior elasticidade nesse tipo de manifestação. Lula disse muitos absurdos, claro, mas, esperto que sempre foi, nunca correu riscos de ter faltado com o decoro exigido pelo cargo presidencial.  E, evidentemente, não foi por declarações boas ou ruins que ele foi preso.

Sua sucessora, Dilma Rousseff inaugurou nova era nas declarações: o surrealismo verbal, o nonsense verborrágico que, se não a tirou do cargo, nos fez rir muito de sua dislexia e ignorância sobre cerca de 99% dos aspectos todos de todos os setores. Mas ela também não foi cassada pelo que disse (embora merecesse, não por falta de decoro no discurso, mas por total falta de discurso…), e sim pelo que fez: levou o país à ruína cometendo crimes de “pedaladas fiscais”, ou seja, usando dinheiro de bancos públicos para pagar dívidas do governo.

Bolsonaro, eleito justamente para tirar o Brasil de uma esquerda que o levava para o abismo, mostrou, desde sempre, que prefere viver em permanente conflito, combatendo moinhos de vento e deixando que seu discurso solto e zangado predomine sobre a ponderação que o cargo exige. Parece que exigir do presidente uma fala carregada de bom senso, que tenha, ao mesmo tempo, a inteligência de atacar seus adversários e preservar a figura presidencial acima da esgotosfera política que impera em certos níveis, é missão impossível.

Bolsonaro parece não saber que um presidente da República, que foi eleito num segundo turno, com pouco mais da metade dos votos válidos, onde uns 50% do seu eleitorado votaram nele para se livrar do infeliz passado, estará sempre numa corda bamba. Por isso, não pode dar chances aos seus adversários, não pode abrir flancos por onde legiões inimigas penetrem. Não pode sair por aí dizendo que o que lhe vem à cabeça, não pode pensar que ainda está na tribuna da Câmara. Suas declarações agora são repercutidas pelo Brasil inteiro e há muita gente por aí que entorta o nariz diante dos absurdos que já foram ditos por ele e por seu entorno mais radical.

Os reflexos desses descalabros, infelizmente, são concretos. Já houve menos dinheiro para proteger a Amazônia, já há países pensando em comprar menos do Brasil por ter um núcleo de governo destrambelhado, já há gente fazendo campanha para que seu ministro mais popular – Sérgio Moro – encabece a sucessão em 2022, etc…

O último e inacreditável episódio dessa sucessão de impropérios que vão complicar – e bastante – a vida política do Brasil, se deu contra uma jornalista da Folha. Um depoimento mentiroso numa CPI, uma acusação totalmente falsa contra a jornalista e absurdamente machista e sexista, levaram a família Bolsonaro a expor sua ignorância, seu destempero verbal e, talvez, seu desespero.  Ao adotar o suspeitíssimo discurso do depoente na CPI das Fake News, os bolsonaros levantaram bola para toda a oposição ao seu governo – oposição essa que nunca foi pequena e tem aumentado nos últimos meses.

Não me espantará se alguma entidade ou partido político pedir o impeachment do presidente por falta de decoro. Pois é exatamente essa falta grave que ele acaba de cometer ao assumir a mentira do depoente e o leviano ataque à jornalista. Jornalista que, aliás, todo mundo sabe, tem simpatia pelo PT e até já produziu alguma coisa suspeita em termos de reportagens políticas. Não morro de amores por ela, mas se o veículo em que ela trabalha a aceita assim, não cabe a nenhuma autoridade tentar acabar com sua honra e reputação sem qualquer prova de que ela tenha cometido atos imorais, mesmo porque o regime ainda é a democracia onde acusações sem prova são crimes.

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Edmilson Siqueira é jornalista

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