Sem ter vergonha de ser feliz. Coluna Carlos Brickmann
EDIÇÃO DOS JORNAIS DE QUARTA-FEIRA, 8 DE SETEMBRO DE 2021
Livre, não: ninguém pode se sentir livre quando a Constituição é desafiada. Solto, não: ninguém pode se sentir solto quando é ameaçado por armas, mesmo quando as armas estão queimando óleo 50 e soltando mais fumaça do que incêndio na Amazônia. Leve? Ninguém jamais se referiu a este colunista como “aquele magrelo”.
Mas não é preciso estar livre, leve e solto para ser feliz, após um mês de hospital. Tratamento ótimo, profissional, eficiente, de êxito; mas é difícil ficar longe de amigos e parentes, com dificuldades até para se comunicar (tente manter seus contatos em dia num leito hospitalar, muitas vezes digitando de cabeça para cima, com (excelentes) médicos e enfermeiros entrando, saindo, tomando providências – não, não há comunicação possível com as pessoas mais próximas.
O hospital é ótimo, te cuida, te cura, mas ter alta ainda melhor. É uma forma de felicidade: mais autonomia, mais capacidade de comunicação, uma sensação de vitória sobre os problemas de saúde que o incomodavam. E a capacidade de perceber o papel ridículo que fazem pessoas adultas e sérias ao julgar juízes, a opinar sobre a composição de vacinas (“notas de amêndoas torradas com chocolate amargo, com toques de tanino hamburguês e de trufas frescas do Interior do Mali”), a escolher qual incompetente deve mandar nelas, sem dar bola para a democracia.
Enfim, a alegria de estar de volta ao jogo.
Questão de opção
Dá uma certa dor no coração saber que tanta gente desperdiça seu feriado para dar apoio a alguém que se dedica a corroer as instituições democráticas, que se refere com desdém às vítimas da pandemia, cujo chefe se referia a ele como um “mau militar”, ou a seu adversário, cujas condenações por corrupção foram suspensas não pela descoberta de novos fatos, mas apenas por falhas processuais.
Mas tive alta: agora minha preocupação é outra.
Melhor que o outro
Muitos dos marchadeiros nem defendem seu candidato: alegam apenas que o outro seria pior. Considerando-se os líderes de suas marchas, ambos os lados têm razão. Mas, vença quem vença, o país perde. Quem sofre é a democracia: ou se apoia o ladrão para afastar o doido, ou se apoia o doido para afastar o ladrão.
O novo dia
Doenças, impedimentos, perdas temporárias de condições de trabalho? Bobagem: o banqueiro André Esteves batizou seu novo banco de BTG, Back to the game; o general Douglas MacArthur, depois de vencido pelos japoneses e expulso das Filipinas, disse apenas “I Shall Return”, Eu Voltarei.
O retorno
Voltou, reconquistou as Filipinas dois anos depois, chegou a comandante das tropas aliadas no Oceano Pacífico e recebeu a rendição dos japoneses a bordo do encouraçado Missouri. Raramente um empecilho impede que um sonho se realize: especialmente no caso deste colunista, que nunca trabalhou na vida (sempre fez aquilo de que gostava, escrever e ler) e, conseguindo a oportunidade de entrar no mundo do jornalismo aos 18 anos, antes de ter tempo de fazer a faculdade, recebeu aulas de mestres e colegas que formavam uma notável academia: Alberto Dines, Nahum Sirotsky, Murilo Felisberto, Woile Guimarães, Ewaldo Dantas Ferreira, Ricardo Setti, Regina Helena de Paiva Ramos e tantos outros.
Alguém que teve a oportunidade de trabalhar na mesa ao lado de Rolf Kuntz e de Renato Pompeu não vai ficar fora do jogo por uma hospitalização, por mais extensa que seja.
Que fazer?
Voltar, pois: um dia depois de deixar o hospital, meu jogo recomeça. E, não fosse ele, que é que faria? Aposentadoria? Cuidar do jardim? Alimentar as galinhas? Nada contra, mas para mim seria o tédio. Embora, como já disse, nunca tenha trabalhado, trabalhar é o que sei fazer. E é o que gosto de fazer, aquilo que me ocupa com prazer. Também gosto de assistir aos jogos do Corinthians (que só ocorrem uma ou duas vezes por semana), bater papo (mas como, no meio da pandemia?), de ler. Mas a leitura puxa o texto. E aí é hora de tocar em frente, colocar ideias em debate.
Alegria, alegria
E é muito bom, também, o que experimentei agora. Neste período de ausência, com as comunicações difíceis, quase cortadas, a grande quantidade de amigos querendo saber por que estava silencioso, e dirigindo-me elogios que espero ter merecido. Pode-se fazer cara de paisagem, fingir que elogios não o afetam, que são apenas o reconhecimento de algo de que você já sabia. Pode-se adotar a postura imperial, “isso que estão dizendo de mim é apenas aquilo que mereço”.
Ou pode-se dizer a verdade: ser elogiado pelos amigos é muito bom, é bom demais. E a todos vocês, amigos, muito obrigado.
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Se eu fosse você, aposentaria, cuidaria do jardim, alimentaria as galinhas, veria os jogos do nosso glorioso e, nas horas vagas – que ainda serão muitas -. continuaria a escrever, porque seus leitores numerosos querem ler. Tirando a aposentadoria, que sou ainda jovem pra isso, faço todo o resto na boa (trocando as galinhas por uma família de Pomerânias lindos de morrer, e escrevendo apenas comentários mal-humorados nas teses dos orientandos). De resto, fico contente de saber que tá tudo bem aí. Tenha um bom retorno!
Shalom, Carlinhos! Minhas quartas e domingos voltarão a ser completos!!!
Pela minha pergunta a seguir, posso passar a impressão que sou bolsonarista: NÃO sou! Mas por que Bolsonaro pode ser chamado de genocida e os ministros do supremo não podem sofrer críticas? Rui Castro, há algum tempo, publicou um artigo com mais de 100 adjetivos depreciativos ao Bolso, Hélio Schwartsman desejou que ele morresse e Alexandre de Moraes é intocável? Bolso foi eleito, Moraes foi indicado.
Bom dia, Carlos Brickmann. E deixe de nos assustar. Aceite o abraço do Famigerado.
Bom tê-lo de volta; senti falta de suas colunas – sempre com muito “finesse” – mas oportuna. Plena recuperação! … inté!
Alguma notícia boa a gente tinha de receber nessa infausta realidade. Que bom que você está de volta!
qu otimo que esta bem… ja estava com sindrome de abstinencia da coluna
Pergunto:
POR QUE OS JUDEUS TINHAM UM SANTUÁRIO, ONDE SACRFICAVAM ANIMAIS ?
Bem vindo. Sentimos falta.