Um bom ou um mau médico. Por Meraldo Zisman
Um médico
É o que procura ser mais gente.
É se considerar parte da família do paciente.
É o se fazer presente na vida, na morte, nos casamentos, no batizado, na festa, no enterro, no conselho, na desavença conjugal ou familiar e quando necessário até, nas doenças.
É o que tenta fazer com que as pessoas nasçam e morram na sua casa.
É o que tenta hospitalizar seu paciente quando for para a segurança dele, nunca para sua conveniência.
É o que considera todo nascimento um presságio de renovação da vida.
É o que sabe manipular os modernos aparelhos eletrônicos e não abandona o sentimento de humanidade.
É possuir termômetro de ouro, comum, digital, descartável para saber a temperatura do paciente. Escreva suas receitas com uma caneta, seja de pena, esferográfica ou digite no computador. Possua relógio que marque os segundos (não importa se de algibeira, de pulso, digital, analógico ou de ponteiro), mas saber que o importante para o paciente é contar o tempo do seu pulso. Medir a pressão arterial. Auscultar e escutar o doente com muito tempo, simpatia e paciência. É fazer visita domiciliar para saber como e onde mora com seu paciente. É conquistar a confiança da família dos familiares.
Trata de sífilis, de gonorreia e de SIDA, da gestação em adolescente e de tantas outras coisas aportadas pela revolução social ou se desejarem com as evoluções dos costumes. Procurar sempre nunca ser o juiz de seu paciente e sim agir como um magistrado, compreensivo para com as virtudes e fraquezas das pessoas.
Respeita a dor de um recém-nascido, de uma criança, de um adulto e também os achaques do relegado idoso. Conhece os seus pacientes pelo nome de batismo e nunca pelo número de um leito hospitalar, da doença, do caso ou, a que plano de saúde o seu paciente pertença. É o que receita além do medicamento, o aconchego, o amor à pessoa que está sofrendo.
É possuir a consciência de suas limitações, sejam humanas ou médicas. É o que sabe que, morrer a Deus pertence. A ele resta o dever de cuidar da saúde. É cauteloso na introdução na sua prática clínica de novidades terapêuticas. É ser mais precavido, sem ser um refratário às inovações da química, da física, da matemática, da cirurgia, das clínicas, da antropologia, da sociologia, da psicologia e de tudo o que o engenho e a ciência do homem possam aportar à sua arte de curar.
É saber que a mortalidade continua sendo de 100%, entre os vivos. Saber não haver vida eterna aqui na Terra e que a morte, a velhice, a doença existe como coisas da vida. É o que reconhece ser a importância de uma boa e dedicada enfermagem, um correto diagnóstico, uma terapêutica bem planejada, e de nada valerem sem o desvelo dos amigos e familiares do paciente.
É um entusiasta dos avanços da radiologia, da ultrassonografia, da tomografia, da ressonância magnética, da bioquímica, da engenharia genética, da imunologia, da química do cérebro, da nova psiquiatria, dos transplantes dos órgãos, dos enxertos, da ciência do comportamento, da feto-embriologia, crescimento, do desenvolvimento, do envelhecimento desde que, tudo seja para o bem do homem e de seu habitáculo Universal. É um eterno encantado com os progressos de sua profissão.
É atualizado na Medicina e com as coisas do Mundo. Frequenta os congressos, estuda muito, assina e lê as melhores revistas médicas, faz estágios, recicla-se frequentemente, escreve e publica trabalhos independente da internet. Tem consciência que o seu mais importante aliado na luta contra o sofrimento humano não reside exclusivamente em maquinaria de última geração. Tenta diuturnamente alcançar a graça da humildade. Sabe e sentir quando é chegado a hora de parar. Aceita a limitação e fragilidade do seu semelhante e a sua também. Não tem vergonha de chorar com e pelo sofrimento do paciente.
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Por isso digo e repito, serem esses tempos muito progressistas. Muito depressa tudo muda. Tudo cai de moda. Depressa demais até para a Medicina onde alguém já disse ser ela “a ciência das verdades transitórias”. Não procure a causa do problema nos espetaculares avanços médicos acontecidos nos últimos 50 anos. Eles, por isso, são muito auspiciosos.
A questão reside em desejar deles se (concretizar) um primado médico, secundando assim ou barrando a relação do médico com o seu paciente. E, apesar dos cenários apontarem para o desenvolvimento exponencial no campo técnico, científico e material da Medicina, tenho a esperança que eles não faça do jovem médico(e dos antigos também) um alienado do ideal de humanismo desta arte — a mais humana de todas as artes.
É chegado o tempo do médico enfrentar os problemas trazidos por tais progressos e não se furtar de compartilhar esses dilemas com os familiares, a Igreja e a Sociedade. Procurando respeitar a moral da época, o espírito do tempo, pois a nenhum homem foi dado o direito de permanecer um ilhado enquistado no saudosismo fantasioso; e pior ainda se for um médico que assim pensa.
Ser bom médico, reafirmo:
* Não significa exclusivamente dominar a última novidade da técnica,
* Não esquecer que um singelo toque da mão humana é às vezes muito mais importante que a precisão de um diagnóstico elucidado por uma tomografia digital computadorizada, indispensável em determinadas nosologias. Mais uma ferramenta e não mais que isto;
* Não esperar que uma máquina por mais sofisticada que venha a ser conseguirá aferir os sentimentos ou sofrimento das pessoas;
* Não esquecer que a Medicina é uma mistura da ciência com a arte;
* Não permitir de se lembrar que o sublime de ser médico reside no consolar sempre, aliviar quando for possível e às vezes até—curar;
* Não deixar se esvair a esperança do que sofre;
* Não confundir essas observações como passadismo ou saudosismo que são as sendas para o pessimismo , sentimento incompatível com ideal da Medicina;
* Não ser, apenas um mero portador de um diploma médico.
É batalhar para que os currículos das modernas escolas médicas passem a ensinar história, sociologia, ética, literatura, poesia, música além de medicina. Tentando assim, restaurar nos novos e velhos doutores o difícil dever de seu ofício— (re)aprender a arte de saber se comunicar com o seu paciente.
Ele, o Médico de qualquer época, sabe que:
QUALQUER PACIENTE PODE
CAUSAR-LHE FERIMENTOS,
NA SUA REPUTAÇÃO,
SER EXTORQUIDO,
GANHAR MAL,
PARA SOBREVIVER
TER DE TER SUB EMPREGOS,
SER ACUSADO INJUSTAMENTE,
SER UM ETERNO AMEAÇADO,
ACUSADO NOS CONSELHOS REGIONAIS
ATÉ PELOS SEUS PRÓPRIOS PARES,< br /> NA JUSTIÇA COMUM,
NA POLÍCIA E PARA A MÍDIA
SER SEMPRE UM
INDIVÍDUO SUSPEITO,
DUVIDANDO DE SUA CAPACIDADE,
HONESTIDADE.
E, APESAR DE TUDO,
PROCURA DAR
TUDO DE SI,
AO PACIENTE.
E, APESAR DE TUDO
E TANTAS OUTRAS COISAS,
QUANDO FOR ATENDER
UM PACIENTE
TEM A CONSCIÊNCIA TRANQUILA
QUE TUDO FEZ
PÔDE REALIZAR
FOI,
PARA O BEM DO PACIENTE.
MÉDICO À MODA ANTIGA.
MÉDICO DE QUALQUER MODA.
MÉDICO DE QUALQUER ÉPOCA
AS OBRAS DOS HOMENS
PODEM MUDAR E MUDAM,
MAS O HOMEM QUE É
A OBRA DA VIDA,
ESSE NUNCA MUDA.
MOLDADO NA SUA ANATOMIA,
NUNCA MUDA.
E QUE APESAR de DAS ADVERSIDADES SER:
MÉDICO À MODA ANTIGA?
INEXISTE.
E O QUE EXISTE, AFINAL?
EXISTE SIM:
UM BOM OU UM MAU MÉDICO.
O médico à moda antiga é apenas uma fantasmagoria que deve acompanhar o espírito do tempo. Ser bom médico é nunca esquecer das nossas origens de curandeiro, pajé e, agora de cientista, e ser a Medicina a arte, o engenho de aliviar, consolar, ouvir, escutar, sentir, ajudar o Homem sofredor.
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Meraldo Zisman – Médico, psicoterapeuta. É um dos primeiros neonatologistas brasileiros. Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha). Vive no Recife (PE). Imortal, pela Academia Recifense de Letras, da Cadeira de número 20, cujo patrono é o escritor Álvaro Ferraz.