Reforma do Estado: uma lava jato ou um tiroteio no Congresso. Por Aylê-Salassié Quintão
REFORMA DO ESTADO: UMA LAVA JATO OU UM TIROTEIO NO CONGRESSO
AYLÊ-SALASSIÉ QUINTÃO
…Parece mesmo uma nova Lava Jato. O semestre legislativo que se inicia antecipa para a população batalhas, verdadeiros tiroteios, em todos os cantos do Congresso e – diria – do País…
Acabaram-se as férias. Mais uma semana, passou o carnaval e o Foro de Davos. Deputados, senadores e juízes das altas cortes retomam suas atividades e, com eles, processos arrepiantes, como se o País fosse o subterrâneo de Hades, o deus grego que raptou o mundo superior, e reinou sobre os mortos. Certamente, os cidadãos entrarão em um novo período de surpresas e pesadelos na política e na economia. Mas nada será tão ruim que não possa piorar. Vamos tentar torcer ao contrário.
Pelo menos quatro PECs – propostas de emenda constitucional – aguardam os congressistas para discussão e, se for o caso, aprová-las. Já se sabe que eles atropelam normas, direitos e até dispositivo constitucionais petrificados, não poupando estados, governadores, prefeitos, vereadores, nem servidores públicos. É criado um Conselho Fiscal da República, reunindo os presidentes dos três Poderes. O BNDES – Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social, passará a receber a transferência de apenas 12 % dos depósitos do FAT – Fundo do Trabalhador. Para quem já recebeu 40% vai ser um baque enorme. A mama tende a secar.
Todas as medidas são “brabas”, mas a que mais assusta é a que revisa o Pacto Federativo (Projeto de Lei Complementar (PLP) 149/19), que cria o Plano de Promoção do Equilíbrio Fiscal (PEF), limitando o uso do dinheiro em gastos públicos. Abre a possibilidade da prisão de chefes de Executivos estaduais e municipais por indisciplina na manipulação do orçamento público, que passa a ser controlado por mecanismos internos (gatilhos) acionados automaticamente aos se atingir, em gasto com pessoal, pensões e isenções, o equivalentes a 95% das receitas.
Propõe-se também a extinguir 127 municípios, para – dizem – economizar U$ 240 bilhões, e equiparar o “direito ao equilíbrio fiscal intergeracional” aos “direitos sociais”. Sei não… “Não se comprometerá orçamento com direitos sociais sem proteger os direitos das gerações futuras”. Vai afetar decisões sobre direitos de aposentadoria e quaisquer ganhos de direitos na Justiça contra o Estado. Esta festa corre o risco de acabar.
Nada será pago pelo Tesouro se não tiver previsão no Orçamento. Fica assegurada a proibição do uso da “Regra de Ouro” para cobrir “Estado de Emergência Fiscal” destinado a gastos correntes com salários ou aposentadorias. A reforma tributária, que também será acionada nesse pacote apelidado, pelo Governo, de “Mais Brasil e Menos Brasília”, institui uma autonomia para estados e municípios , criando dois impostos que recolhem o equivalente a 24% do PIB, dos quais a União ficaria com 12 % , abrindo mão do PIS e do Cofins, e as demais unidades federativas 13% . Pretende-se ainda extinguir mais de 20 mil cargos públicos, e estabelecer regras rigorosas de produtividade para os serviços do Estado.
A PEC da reforma Administrativa, que ainda não chegou por lá, prevê que a União deixe de dar aval aos entes federativos ou a endividar-se por conta de estados e municípios. A PEC tem a pretensão de vincular todos os tribunais de contas de estados e municípios ao Tribunal de Conta das União. Essa bate de frente com o caráter Federativo da Estado Nacional. Pretende-se extinguir 181 fundos – 33 serão preservados -, a maioria são fundos sociais. O governo quer tudo orçamentado. “Nenhuma crise fiscal vai durar mais de um ano e meio”, afirma o secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida.
Tudo isso vai ser concentrado nesse primeiro semestre legislativo. O segundo é o das eleições. Todos fogem. Acresce-se a tudo isso a PEC da prisão em “segunda instância” com um problema não resolvido. Existe um batalhão de advogados, parlamentares e políticos em campanha aberta, fora de época, para a reeleição, agindo contra ela, como fantasmas no subterrâneo de Hades. Todos trabalham para que caia, em definitivo, a “prisão em segunda instância”. Bolsonaro mantém-se, silenciosamente, nadando nessa corrente, depois de salvaguardar a si e aos familiares, no “Juiz de Garantias”, figura criada para tirar o poder de sentença final dos juízes em suas instâncias inferiores, e que metade dos que andam por aí soltos, mas já condenados.
No primeiro ano do governo atual foram editadas 48 medidas provisórias, das quais 24 já tiveram a análise encerrada pelo Congresso. Dessas, 11 perderam de validade ou foram rejeitadas pelos deputados e senadores. Vinte e quatro delas estão pendentes. Há uma expectativa de que as regras para a tramitação das medidas provisórias venham a ser alteradas. A redução do mandato dos ministros do Supremo Tribunal Federal, prevista na PEC-35, começara a ser também examinada na famigerada Comissão de Constituição e Justiça.
Parece mesmo uma nova Lava Jato. O semestre legislativo que se inicia antecipa para a população batalhas, verdadeiros tiroteios, em todos os cantos do Congresso e – diria – do País.
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Aylê-Salassié F. Quintão* – Jornalista, professor, doutor em História Cultural. Vive em Brasília